quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Papai Noel ferido ( conto)

                                           
 Era sexta-feira, final de semana propício para o  bom velhinho sair com a sua galera e passear com os netos e bisnetos. Afinal, aproxima-se o Natal,  o seu colo e a atenção ficam concorridos.  Eram muitas cartinhas que precisavam de respostas, apressa o passo para chegar a uma agência dos correios e despachar algumas... e depois, curtir com a família.
A fila é muito grande na agência escolhida.  Olha para um lado e para outra em busca de tal “prioridade” para os idosos,  não a encontrou, pois todos estavam na mesma situação. Só resolveria com a contratação de novos empregados para a  agência, mas o Brasil em crise, só se fala em desemprego.  Era Noel e mais uma quantidade de velhinhos querendo  a mesma coisa: cumprissem o atendimento prioritário.
E não demora, começam as reclamações, justamente quando chega a vez do bom velhinho ser atendido:
_ Deixe  eu passar em sua frente? É só um cartãozinho que irei postar para minha filha em São Paulo.
_ Ah, não! O meu filho está no Rio de Janeiro... Precisando desse documento original, preciso  enviá-lo urgente.
_ E eu que estou aqui apenas querendo pagar um boleto, porque  o banco em greve...
_ Na minha frente ninguém passa! Estou desde cedo aqui...  Como pode? Ter que pegar uma fila gigantesca para fazer um depósito!
Até que alguém olha para o tamanho do saco de Papai Noel... E com raiva por conta da morosidade, encontra alguém para descarregar a sua frustração, diz:
_ A culpa é dele!  Como é que deixa para atender pedidos das crianças  só na última hora! Tem o ano todo, só agora ele aparece no final de dezembro... Vou passar na sua frente, vovô!
Pronto. Um humano erra, os demais seguem...
_Eu também, com licença!
_Eu também, Papai Noel, vá para lá!
_ Papai Noel, essa não é a fila dos aposentados! Eu ainda vou trabalhar... 
E Papai Noel sem saber o que fazer, apenas repetia:
_ Feliz Natal! Hô, hô, hô...

E  começa um empurra-empurra. E o bom velhinho foi ao chão.  Cartas pisoteadas, rasgadas, amassadas, brinquedos quebrados, sonhos adiados ...  Desesperado, Papai Noel dizia choroso:

_ Por favor, não pisem  nos sonhos das minhas crianças! É Natal!

*

Os adultos e idosos interessados em realizarem os próprios sonhos, não deram ouvidos aos apelos do  bom velhinho... ele, cada ano mais ferido com a insensibilidade humana tenta fazer o possível para alegrar as crianças.
E se por acaso, a sua cartinha não  teve ainda a resposta, não fique triste , porque o bom velhinho todo ano tenta  realizar  sonhos,  mas sozinho não pode fazer muita coisa...  Acho que ele ainda está na fila, mesmo machucado.
Quer ajudá-lo? 

                                    
                                                                     Elisabeth Amorim



* Imagem pessoal, vi num consultório de ortopedia... virou literatura. Tem mais imagens legais.
Caso  alguém  queira divulgar a empresa de forma criativa, indique o meu nome, transformo tudo em literatura! È Natal, preciso comprar o presente. (risos)




terça-feira, 29 de novembro de 2016

O ponto final para Chapecoense (crônica)

                                               
*

          Não sou cronista esportiva, aliás, sou apenas uma simples professora que ousou querer ser escritora, num país que pouco valoriza os meus  escritos.  Mas, peço licença ao leitor que gosta do meu estilo despretensioso e livre,  para escrever um pouco sobre essa onda de desolação que se abateu em nosso país. Acordamos em choque, sentimos a dor do outro. Muitos correm para as lojas comprar a camisa verde da Chapecoense.  Que triste!  Aumentaram o  preço?!
          Todas as emissoras desde o raiar do dia noticiam a mesma coisa: o avião que caiu com toda  a equipe de um time de futebol,  a Chapecoense.  Infelizmente, uma tragédia incalculável que nos atingiu  em cheio.  Parece que as pessoas estão tendo um pesadelo,  onde familiares, amigos, empresários, colegas, jornalistas   querem acordar e não conseguem.  A dor da perda é imensa. Não foi uma, nem  duas pessoas,  toda uma comissão deixa de existir de uma hora para outra.
           Os sonhos,  os sorrisos, as alegrias que ficaram registradas em várias redes sociais quando esses jogadores se despediam de seus familiares ganham todos os jornais.  A alegria é vizinha da tristeza e o sorriso é primo da dor.  No entanto, vindo de viagem, ouço um apelo dramático pelo rádio do carro, de torcedor  denunciando o aumento absurdo na camisa do time... Eis a crônica! Não existe lucro sobre uma tragédia!
          O que é a vida?  Os jogadores nem de longe, acredito eu,  pensaram na morte. Embarcaram rumo a  um título inédito.  Partiram para Colômbia levando em seus corações o desejo da vitória, a alegria de ser finalista e o grito engasgado de “campeão”.
          Em meio a  dor, o título é tão pequeno diante da grandeza e brevidade da vida.  Uma vida que se esvai, com um sopro. Um sorriso que vira lágrima. Uma comemoração  transformada em desolação.  Fim de linha! Para a equipe que chegou a final do campeonato, infelizmente, é o ponto  final  sem reticências.   Onde os familiares dos “escombros” buscam os restos mortais,  e da escuridão procuram a luz, uma, uma explicação para consolar os corações. Força! É o que temos a dizer.
          Adeus, Chapecoense!  Por algum tempo, as emissoras brasileiras esqueceram a corrupção,  lava-jato, as prisões domiciliares, as delações premiadas entre outras  que desolaram o país. Hoje, o país é todo verde!  O que dizer para os familiares dessas vítimas?  O que dizer para o futebol  brasileiro? O que dizer? O silêncio diz muito.

         Queríamos o título, mas queremos a vida!  Quando morremos o que fica?  A história que deixamos para ser apagada ou lembrada pelos nossos. Mas queremos “ guardar na memória  o que nos dá esperança”, e quando sentimos a dor do outro,  mostra que não estamos insensível o sofrimento alheio.  E diante da dor compartilhada,   estamos de luto, sim. Um luto que se espalha pelo nosso corpo de forma incontrolável,  vai tomando todo nosso ser, e se manifesta quando uma lágrima cai...

                                                                    E. Amorim

*imagem da web

domingo, 27 de novembro de 2016

Não acredito em Papai Noel, mas em Papai do Céu...



          Queria acreditar  que o Papai Noel  trará realmente  presentes para todos os necessitados. Que não exista mais criancinha feito ursinho abandonado e olhar tristonho.  Mesmo porque não quero ficar vendo nenhum programa de televisão a violência que, nós brasileiros, estamos sofrendo.  É muita corrupção! É muita sujeira  que não há lava-jato que limpe essa lama que escorre pelas beiradas do nosso país.
           Enquanto ficamos à  espera da presença do bom velhinho...  Como não entrar nesse clima e correr atrás das promoções americanizadas como a tal da “Black Friday”. Queria realmente ganhar  uma editora disposta a driblar a crise,  onde lá tivesse um bom velhinho, aliás, nem precisaria ser tão  bom, bastarei ser  leitor, um admirador de literatura.  Mas não adianta correr  balcões quando o país está mergulhado  nas propinas. E mais um ano novo se aproxima...  o que nos reserva se o Papai Noel encontra-se desaparecido?
          Expectativas. Sonhos. Desilusão. Sim, porque  o velhinho estará bem distante nos primeiros dias do ano e aparecerá apenas no natal seguinte,  sobrariam  os impostos a vencer.  Não! Natal é diferente! Realmente, é diferente? Para quem?!!!  Mesmo sem vontade, vejo um programa jornalístico onde é apresentando uma fortuna em jóias  da esposa de um desses poderosos que estão presos, aliás, desfrutando uma mordomia domiciliar, desculpe-me,  prisão domiciliar.  E ao ser interrogado sobre o porquê pagar tantas joias em dinheiro, ele diz não se lembrar.  Brasil, quem paga essa conta?
          Se  o "Senhor  dos aneis" investisse mais em educação, cultura, saúde,  literatura... se lembraria do valor gasto,  mesmo se esquecesse os beneficiados lembrariam.   E a minha indignação aumentou quando fui atrás da única editora que  aceitava publicar sob demanda,  e encontrei  a “porta  fechada” por conta da crise do país,  a editora só aceita o pedido mínimo de 50 livros.
          Volto a olhar a quantidade de jóias sendo exibidas em diversos canais televisivos e penso no valor que teria que pagar por cinquenta exemplares, acrescidos das despesas de impressão, diagramação, correios... Sei o quanto me custaria cada uma das cinquenta joias... E acabo, deixando para o natal seguinte, quem sabe daqui até lá o Papai Noel resolva sair do seu trenó?


            Papai que nunca perdeu uma batalha para ninguém, é o Papai do Céu.   Quando pensamos que estamos só, inesperadamente, a porta é aberta! Pessoas nos acolhem.  Papai do Céu é tão grandioso que preenche-nos  de tal modo, ocultando as nossas necessidades.  E Ele não precisa se levantar de nenhum trenó, mas levanta pessoas. Abençoa pessoas. Ama pessoas.  E essas pessoas abençoadas fazem a diferença abençoando outras...
       
                                                          Elisabeth Amorim

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Ilhas, desertos e sonhos ( reflexão)


Há muito tempo que venho insistindo para que as pessoas percebam que é bem mais saudável compartilhar textos literários pela internet do que montagens ridículas que ganham milhares de acessos.  As montagens agridem o alvo, enquanto a literatura fortalece cultura e intelectualmente o leitor e promove o escritor.   Como é bom promover o outro.
Uso o blog  www.toquepoetico.wordpress.com  para tal propósito.  Lá  no  “toque poético”   faço circular  textos de autores anônimos baianos, como os estudantes da educação básica, por exemplo.  Não só eles, mas de famosos no mundo, porém, por  questões ideológicas, filosóficas, políticas não circulam nas bibliotecas escolares. E eu sou a fada para alguns, e para outros a bruxa que tira dos baús a literatura baiana marginal,colocando-a em rede.  É um trabalho fácil? Não! Mas faço o que gosto. Decidi  mostrar o que a Bahia é capaz de produzir  de literário  e com uso das tecnologias nossa literatura percorre o mundo.
Na minha trajetória com a literatura, compartilho sonhos apenas com pessoas que aprenderam a sonhar, por sinal já fiz um texto sobre isso.  Porque não adianta buscar parcerias no deserto. Há pessoas ilhas e pessoas  desertos. As ilhas vivem cercadas  de outras parecidas ou com objetivos afins, essas ilhas só abraçam as suas próprias águas...Por isso não saem do lugar,vivem os mesmos sonhos sem inovação.  Enquanto as pessoas  desertos  se distanciam  de tudo e de todos.  Para tocá-las é preciso ser tão áridas quanto elas.  Não  abraçam ninguém, guardam na memória apenas poeira. Marcas dos próprios passos  andando em círculos.
Em contrapartida, temos pessoas  sonhos, essas pessoas são poéticas, românticas e  de bem com a vida. Elas transformam derrotas em histórias de superação, olham para  ilhas, desertos e veem  poesias, romances, contos, mensagens,  enfim, em  motivações para seguirem  fora dos círculos.  Pessoas sonhos vivem em paz e para a paz. Eu tento ser uma pessoa sonho cada vez mais.  Sonho em ver esse mundo melhor a partir das minhas práticas e compromisso com ele, sonho em conhecer pessoas melhores, sonho em proporcionar através dos meus escritos um dia melhor  para os leitores.  E ao investir na literatura virtual, sabia que a luta seria árdua, porque a  boa parte da sociedade brasileira não cultiva hábitos de leitura digital. Apenas textos curtos (facebook) ou sobre algo de interesse comum, como vida de famosos ou  acidentes de grandes proporções... Parar alguns minutos para ler  um texto literário no smartphone, não fazia parte da nossa agenda.  E não é que isso sutilmente está mudando?  Em pequenas pinceladas, estamos mostrando que nosso projeto tem surtido efeito e tem valor.   Estamos ajudando na formação de leitores da literatura baiana, sim. Era o sonho: conquistar leitores virtuais.


Sonhos são alimentados e renovados a cada manhã. E com os abraços  recebidos diariamente, resta-me apenas agradecer e agradecer.  


E.Amorim 





segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Quem disse que a mão que empurra é preta?!! ( reflexão)


Inegavelmente, com todo o tipo de informação sobre os estereótipos,  preconceito, arquétipos  parece ser pouco, pois ainda há uma ideologia bem forte que coloca o negro numa posição desfavorável.     Além de combater os ataques reais contra os negros, ainda temos que aguentar os ataques virtuais através  das mensagens  subliminares que circulam entre os grupos de whats app.
Ao receber a  imagem em destaque,   confesso,  fiquei inquieta. Essa mania de ler as entrelinhas ...  Nela fica implícita a mensagem que o mal, representado pela figura do Diabo, Lúcifer, Capeta, Tinhoso ou seja lá o nome dado para a criatura,  tem a cor preta.  Isso não é mais um reforço de que o  preto é a representação do mal?
Sou filha de negros,  apesar do registro marcar parda, sou negra. E nunca empurrei ninguém.  E não me lembro de ter servido de obstáculo para outra pessoa.  Já fui empurrada? Diversas vezes, por mãos multicoloridas,  mas levantar é mais importante que permanecer no chão.  E assim, prossigo.
 Em nenhum momento,  pretende -se  sugerir  que ocorre o inverso, não é essa  a intenção, pois  estaria reforçando o preconceito contra o outro.  Mas,  apenas chamar a atenção para a imagem  e o não dito, escancarado.

Não vejo muito sentido comemorar  o “Dia da Consciência Negra” com os olhos vedados  para as violências contra o humano( independente da cor) que compartilhamos em diferentes situações.  Por muitos anos a mão escrava era negra.  Mãos negras nas lavouras, mãos negras nos engenhos,  mãos negras nas senzalas,  mãos negras nos troncos.  Consciência Negra precisa ir além do 20 de novembro,  ir além da história de Zumbi dos Palmares e Dandara.  Posicionar-se  contra a discriminação, preconceito racial, faz-se necessário também,   atentar-se para as lutas  de  outros povos com culturas, religiões e etnias negadas, bem como evitar a  circulação de imagens  que reforce o racismo.
                            Se a imagem chegar até aqui, desmontamos sim. E fazemos literatura!

                                                                A negra  que a Bahia não conhece,

                                                                                 Elisabeth Amorim.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Dona Consciência (conto)

*



       Certo dia Dona Consciência, uma mulher negra que  vivia no seu cantinho e quase ninguém a via,   resolveu sair de casa.  Bem, não precisava mais ficar se escondendo com medo de ser atacada por algum capitão-do-mato mal informado,  ela era livre, iria gozar a sua liberdade, com a vasta cabeleira, exibe como um troféu e sai.
Passeando no parque,  fica a admirar duas crianças brincando.  De repente uma bola cai aos seus pés, ao se agachar para pegá-la foi abordada  pelos pais das crianças:
       _ Ei, deixe essa bola aí! Essa bola é do meu filho... Você está querendo roubar a bola dos meus filhos?!
        Dona Consciência  abaixa a cabeça, e diz tristemente:
       _ Não, senhor! Apenas  estava admirando-a antes de  devolvê-la.
       No entanto, os pais das crianças não quiseram ouvi-la. Quem ouve a consciência? Chamaram os filhos e carrega-os rapidamente daquele parque, pois para eles o local estava ficando perigoso  e muito mal frequentado.
        Dona Consciência busca na memória o que ela havia feito de errado.  Ela só queria ajudar as crianças e foi  julgada.  Enquanto refletia, ouviu um grito de “ pega ladrão!”... Não pensa duas vezes,  apressa o passo para tentar ajudar alguém, provavelmente, em perigo,  dessa vez seria útil.
         Vê uma jovem,  num banco do parque aos prantos. E logo ela se senta ao lado da jovem para tentar consolar. E  percebe que ao colocar a mão no ombro, a jovem fica mais assustada ainda e começa a gritar mais alto. Até que surge várias pessoas.  E nesse momento, Dona Consciência não entende porque ela foi imobilizada, apalpada, rapidamente vasculharam a sua bolsa, nada encontrou.  Tantas pessoas naquela  área,  fazendo a mesma coisa que ela, querendo ajudar, mas apenas ela fora humilhada.
       Depois que  a revistaram de forma humilhante e pública,  já mais calma, a jovem encontra o objeto supostamente roubado na própria bolsa. E assim, não havia necessidade de mantê-la imobilizada.  Soltaram    Dona Consciência, com os olhos arregalados não conseguia pronunciar nenhuma palavra, ela sabia que poderia ainda ser pior.  Sabia que havia assinado a sua liberdade, mas esqueceram de dizer isso para as outras pessoas.
       Resolveu voltar correndo para casa,  para o seu quartinho. Nem bem começa a correr ouviu ainda alguns gritos familiares:
       _ Pega  ladrão!
       _ Que negona boa!
        _Venha me fazer cafuné!
         _Cabelo de pixaim!
         Não parou, continuou a correr.  Lágrimas lavando a face e uma dor imensa no coração. No seu cantinho, olha para o espelho só consegue enxergar a sombra de uma consciência negra, mesmo assim não se intimida e questiona:
       _ Que Consciência sou?  Todos me discriminam pela minha cor, pelo meu cabelo crespo...  Sou julgada e condenada  por algo que não fiz. Quantos rótulos recebo diariamente?  Diga-me, por  favor, espelho! Que Consciência sou?
        E o espelho já cansado de ouvir aquele lamento, resolve responder:
       _ Limpe seu rosto! Ande de cabeça erguida, você é livre! Essa liberdade está no seu sangue,  pela  sua luta, reaja. Não aceite a discriminação! Não ouça  vozes que te diminua, mas grite mais alto e mostre a sua força.
         Dona Consciência tomou um susto, porque há tempos que ela fica diante do espelho e nunca  havia tido uma resposta.  E mais uma vez, Dona Consciência tentou argumentar...
        _ Como lutar contra a discriminação? Quem sou eu?
E o espelho admirando tamanha beleza, diz:
       _Você é Consciência. Negra, linda, livre como o vento...

E Dona Consciência reagiu, combate de frente com sabedoria e inteligência todos os preconceitos e estereótipos atribuídos as pessoas da sua cor. Trabalha muito pois sabe  que a tarefa é árdua.  Se  os negros ganham menos... será lapso da consciência?

                                 E. Amorim

 cartaz dos estudantes da Educação Básica. 

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Educação. Quem dá o primeiro passo? (crônica)

                                                             
*
 
        Eu dou o primeiro passo. Segundo, terceiro... Talvez, uma atitude totalmente contrária a esperada, mas não gosto de ensinar  como me ensinaram,  nem consigo repetir os exemplos dados para a classe vizinha.  Sempre gostei de inovar, usar a criatividade e aventurar-me  nas malhas da educação.  Não acredito na educação sem transformação pessoal e alheia. Educação  sem refletir a prática docente, não é educação.
      E nessa minha aventura arrojada já me rendeu alguns aborrecimentos e muitos gastos, pois é difícil mudar estruturas, investir em projetos sem apoio financeiro, querer a diferença!  Hoje, lembrei-me da galinha que encontrou um milho e chamou outros animais para ajudá-la plantar, regar, colher  e nenhum aceitou. E no momento que ela estava saboreando a canjica... muitos apareceram. Fazendo analogia com a educação, quantos alunos são convidados para o plantio? E quantos participam da colheita?
      Semeamos, mas muitas  sementes não ficam no solo por muito tempo. Vento, chuva, pés e  aves ajudam  na dispersão.  Desvios.  Rotas contrárias. No entanto, não desistimos. Eu não desisto de acreditar no potencial do estudante, da mesma forma que  não desisto de acreditar no meu potencial. Tudo é questão de abraços e olhar. Quem abraça quem?  Continuo jogando as sementes, quem dá o primeiro passo?   
        Vejo o quanto é difícil ser (a)normal nessa sociedade com tantas normas politicamente corretas. Nunca atropelei ninguém e tenho certeza de  que aquele discurso “Dê poder ao homem para ver o que acontece com ele”, comigo não funciona. Porque princípios,  caráter e  ética não são discursos modificáveis,  porém, estão incorporados nas práticas diárias das pessoas. 
        É constante o número de e-mails recebidos com anúncios de supostas doações,  ajuda financeira daqui e dali.  Se essas mensagens fossem verdadeiras eu estaria rica economicamente, no entanto, a minha riqueza é espiritual, e confesso, sou feliz.  Quer ajudar a educação?  Divulgue literatura. Quer ajudar a mim?!!! Divulgue a minha pesquisa que transformou em livro  na Alemanha... Isso é dá o primeiro passo.
         No ano passado uma estudante de graduação que não havia feito estágio, me procurou para que eu atribuísse uma nota ao seu “relatório de estágio”.  Fiquei chocada, pois não esperava uma proposta tão indecente. E a minha resposta  foi: “_ Você procurou a pessoa errada, como posso avaliar algo que você não fez?”   Ela pediu desculpas e saiu envergonhada.   Lá adiante, ela encontrou quem fizesse o que eu não fiz. Provavelmente, está com o seu diploma, mas a minha consciência está tranquila.
         Não poderia ser diferente, porque não seria eu se fizesse algo contrário aquilo que defendo e  escrevo. Não seria eu cortando uma fila, com uma desculpa qualquer, enquanto outras pessoas precisam  esperar o tempo delas na fila. Não seria eu  forjando algo  para beneficiar uma pessoa, enquanto outras são prejudicadas.  E isso não tem nada a ver com religião, mas com ética, valores cultivados.
          Dou o primeiro passo para ajudar, transformar, inovar a educação. Estamos com letras, palavras por todos os  lados, mas faço malabarismos para que as leituras aconteçam.  Porque não adianta estarmos ilhados, se não decodificamos o que está a nossa volta.
         Quando vejo a quantidade  de leitores norte-americanos e europeus que diariamente buscam este blog, fico feliz por fazer algo que agrada pessoas que estão do outro lado. Não pensei ir tão longe,  queria ajudar a educação do meu estado, país onde pouco investe na literatura que vive à margem. Os passos continuam sendo dados e as sementes que não ficaram no solo brasileiro, dei sorte, porque os ventos sopraram para bem longe...não foram destruídas pelas aves nem pés humanos. Alemanha, um livro, Estados Unidos e França uma legião de leitores virtuais.  Cada vez mais percebo que tem um anjinho lá no ceú que gosta  do que escrevo  e aprova os meus passos...
                                                      
                                                      Elisabeth Amorim
              
             autora do livro " Desmontagem da literatura em educação básica" disponível no morebooks, amazon...



* pintura de Akiane Kramariki

domingo, 13 de novembro de 2016

Solidariedade virtual (poesia)




De repente,  um grito ecoa
Atoa,
 Sem direção
Percorre enviesado às ruas,
Praças e jardins,
 locais ermos na escuridão.

“_ Solte-me! Socorro!”
Paro, penso, ouço...
Corro?!
Não quero ser  laçado...
A um grito estranho
Possivelmente,
 saído do morro.
Tento esconder  a  minha mão.

Minha consciência,
Negra?!!!
Não me acusou.
Não matei,
 Não roubei,
Ignorei
O grito que ecoou
Vindo daquela direção.

Estou ligado,
Desligado.
 Não queria me envolver.
Não posso nessa rede virtual
Compartilhar literatura?!
Mesmo negada,
Faz parte da cultura.


Neste palco digital
Exibo, mascaro, idealizo,
 Onde também sou ator,
Em vão tento não ser capturado,
Em vão.
Réu confesso,
Vivo. Realizo.
Compartilho.

E dou asas a imaginação.

                                                     E.Amorim









terça-feira, 8 de novembro de 2016

Acasos da Consciência (conto)

                                                              
 


      Os ponteiros passam lentamente, principalmente quando quero que eles acelerem.  Essa espera inquietante, de quê mesmo?  Não sei, talvez à espera da fadiga para que a exaustão faça com que eu deite, descanse, adormeça. O corpo dói, mas o sono não aparece, brigou comigo?
      Como o tempo não é nosso, o relógio insiste em permanecer parado, fazendo birra.  Acho que a contagem regressiva para o novo ano, causa nas pessoas  essa inquietação.  Provavelmente, no aguardo da adiada mudança nos outros. Por que não mudei primeiro?  Reconhecer os meus limites já é uma mudança.  Só agora com essa exaustão, vejo que deveria ter corrido menos e beijado muito mais...
      Ando, ando... Como um José  sem destino certo. Uma mão! Uma mão! Olhei para trás, vi apenas os pés. Pisando-me, machucando-me impiedosamente, enquanto dedos apontam e bocas riem  da minha persistência   Até sinto o sangue escorrer  das minhas mãos feridas, inertes, amarradas a uma grossa corda. Mãos negras,  horrorizada, vejo-as mudarem de cor.  Insisto  a olhar o líquido vermelho escoando... Só queira fugir daquele destino.
       Sem forças para contê-lo, tombo  sonolenta no sofá, outrora era uma esteira.  Mais um dia nas cozinhas alheias se passou e eu ainda aqui, recolhida no meu canto triste.  Mais uma noite correndo  para a faculdade na esperança de mudar esse destino, e eu  aqui, entoando  novo canto. Parece que os semestres se arrastam comigo.   A certeza de que não precisarei permanecer nas cozinhas por muito tempo, joga-me para frente, às vezes sou atropelada, pisada, reconheço. Mas  atropelo o destino que me reservaram e sigo destemida, forte.  Não sair das senzalas? Jamais voltarei  ao tronco, essa é a minha certeza.  Minhas mãos continuam  latejando,  o vermelho com  preto fez surgir uma cor  enfraquecida, talvez, parda, moreninha, mestiça, cansada, como eu.  Maquiagem. 
        Exausta da labuta,  novo dia me espera...Lavar, passar, cozinhar, talvez.  Estudar, estudar, estudar...sem dúvidas.  É por esse último caminho que visualizei meu novo dia, sem atalhos.  Olho pelo retrovisor, vejo marcas lá trás, ao fundo, e firmo nas opções presentes.  Estudo, sim! Canto novo, arrojado, dessa vez nada engraçado.  Mesmo assim, preciso dormir, pois já estou sonhando acordada...  Antes, porém, corro para lavar  as mãos.  Não gostava mesmo daquele suco de morango que estava  bebendo por acaso.

                                                          Elisabeth Amorim




                    20 de novembro, Dia da Consciência Negra.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Jardim particular ( mensagem)


De repente olho para o jardim  e encontro várias rosas coloridas: azul, vermelha, branca, rosa, preta.  Preta?  Sim, uma rosa  tão linda e tão diferente das que enfeitam o meu jardim.  Observo mais de perto a procura dos espinhos, não, não tem espinhos. A minha rosa negra não tem espinhos.  Por que será que não me preocupei com os espinhos das  outras rosas? O que essa  cor representa para mim? Será que não é o momento de rever vários conceitos e desfazer  os tão camuflados  pré-conceitos?
Infelizmente, a sociedade brasileira convencionou a atribuir ações negativas aos elementos  de cor preta. Se for um gato preto que cruza o caminho, logo há quem propague que atrairá azar para a pessoa ou família, coisa que não acontece com o “gatinho branquinho e fofo” .   Em velórios é muito comum a predominância de roupa preta, assim o ambiente  sombrio, fica  muito escuro. Por convenção, “combinando com o clima de velório”. Ou seja,  mais uma atribuição negativa a cor escura.  Quando a situação foge do controle, ainda há quem insista no discurso “...a  coisa ficou preta”.  Quanta carga negativa traz o nosso discurso! Por que não vigiamos os nossos falares para não agredir  o nosso próximo?
  Convido-te a  visitar  esse jardim particular. No meu jardim  as coisas não ficam pretas, nem lilás, azuis, brancas, verdes... As coisas são como são,  não mudam de cor conforme a vontade alheia.  As rosas brancas mesmo que joguem  água suja de tinta preta sobre elas,  continuam sendo rosas  brancas, pois a brancura está na essência, na raiz, na roseira, e isso não muda. Da mesma forma acontece com as rosas pretas, se jogarem  cal, elas podem mudar de cor temporariamente, mas voltam a sua cor natural...    
 Marcada pelo destino  da cor,  a rosa preta não aceitou essa diferença como carga, fardo.   A rosa não aceitou ser apenas uma flor preta à beira do caminho,   decidiu ser especial, rara.  A rosa negra  vai além das pétalas e  cheiro,  a sua ousadia  de permanecer altiva diante de tantos empurrões por conta da cor... é a sua marca. 
Assim, não espere que os outros reconheçam o seu valor, valorize-os primeiro. Não espere que te abracem, seja você a abrir os braços. Não espere que algum anjo bata à sua porta, seja anjo para alguém. Faça a sua parte, dê a sua colaboração para construirmos um mundo melhor, para alguns colaborar está associado a um valor econômico, penso diferente. Colaborar é antes de tudo abraçar,  e posso garantir, abraço  sincero não tem preço. Você pode sim fazer a diferença, sem gastar nenhum dinheiro, compartilhar um texto é abraçar. E sei que isso você vem fazendo. Porque não é por acaso que venho sendo recebendo tantas visitas  estrangeiras. E isso é atitude! Igual a minha linda rosa negra, uma rosa de atitude.
Esse texto fiz exclusivamente para você, leitor. Você que vem todos os dias me visitar. Talvez, você nunca saberá o benefício do abraço, talvez, escreverei a respeito.  Mas de certa forma, você vem fazendo como essa rosa negra, linda, rara, especial. Quando ninguém valoriza, você faz a diferença. Não aceita ser mais um leitor, mas o leitor que propaga o que escrevo, você que atendeu o chamado e entra no meu jardim particular.  

                                                 Obrigada

                          Elisabeth Amorim



Literatura de mainha 6 - Afirmação de identidades

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