terça-feira, 8 de novembro de 2016

Acasos da Consciência (conto)

                                                              
 


      Os ponteiros passam lentamente, principalmente quando quero que eles acelerem.  Essa espera inquietante, de quê mesmo?  Não sei, talvez à espera da fadiga para que a exaustão faça com que eu deite, descanse, adormeça. O corpo dói, mas o sono não aparece, brigou comigo?
      Como o tempo não é nosso, o relógio insiste em permanecer parado, fazendo birra.  Acho que a contagem regressiva para o novo ano, causa nas pessoas  essa inquietação.  Provavelmente, no aguardo da adiada mudança nos outros. Por que não mudei primeiro?  Reconhecer os meus limites já é uma mudança.  Só agora com essa exaustão, vejo que deveria ter corrido menos e beijado muito mais...
      Ando, ando... Como um José  sem destino certo. Uma mão! Uma mão! Olhei para trás, vi apenas os pés. Pisando-me, machucando-me impiedosamente, enquanto dedos apontam e bocas riem  da minha persistência   Até sinto o sangue escorrer  das minhas mãos feridas, inertes, amarradas a uma grossa corda. Mãos negras,  horrorizada, vejo-as mudarem de cor.  Insisto  a olhar o líquido vermelho escoando... Só queira fugir daquele destino.
       Sem forças para contê-lo, tombo  sonolenta no sofá, outrora era uma esteira.  Mais um dia nas cozinhas alheias se passou e eu ainda aqui, recolhida no meu canto triste.  Mais uma noite correndo  para a faculdade na esperança de mudar esse destino, e eu  aqui, entoando  novo canto. Parece que os semestres se arrastam comigo.   A certeza de que não precisarei permanecer nas cozinhas por muito tempo, joga-me para frente, às vezes sou atropelada, pisada, reconheço. Mas  atropelo o destino que me reservaram e sigo destemida, forte.  Não sair das senzalas? Jamais voltarei  ao tronco, essa é a minha certeza.  Minhas mãos continuam  latejando,  o vermelho com  preto fez surgir uma cor  enfraquecida, talvez, parda, moreninha, mestiça, cansada, como eu.  Maquiagem. 
        Exausta da labuta,  novo dia me espera...Lavar, passar, cozinhar, talvez.  Estudar, estudar, estudar...sem dúvidas.  É por esse último caminho que visualizei meu novo dia, sem atalhos.  Olho pelo retrovisor, vejo marcas lá trás, ao fundo, e firmo nas opções presentes.  Estudo, sim! Canto novo, arrojado, dessa vez nada engraçado.  Mesmo assim, preciso dormir, pois já estou sonhando acordada...  Antes, porém, corro para lavar  as mãos.  Não gostava mesmo daquele suco de morango que estava  bebendo por acaso.

                                                          Elisabeth Amorim




                    20 de novembro, Dia da Consciência Negra.

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