sábado, 6 de fevereiro de 2016

Serpentinas no asfalto (conto)

Elisabeth Amorim

Depois de uma noite de carnaval de muito samba no pé e amassos, retornei para casa cansado. Namorei bastante. Mulheres bonitas e feias no carnaval se misturam e viram rainhas, todas, sem distinção. Rainhas das baterias, rainhas das ruas enfeitadas, rainhas dos lares. Enquanto eu,  sem nenhuma coroa, não  passava de um namorador, pegador de abelhas rainhas.
Naquele carnaval não foi diferente.  O que tocava eu dançava, sempre acompanhado de uma latinha de cerveja e uma mulher bonita, minha abelhinha, doce como o favo de mel.   Rodopiávamos por algum tempo, curtíamos o nosso momento. Éramos jovens, queríamos diversão  antes da velhice chegar e me jogasse num canto qualquer... Quanta fantasia!
O carnaval passou. Eu era o mais conversador do grupo, tinha sempre mais histórias carnavalescas para contar. Até que a situação se voltou contra mim.  Os primeiros sintomas... Não é possível! Não pode ser verdade! Procurei um médico e o diagnóstico foi o esperado.  Esperado?! Sim, para quem se aventura nas relações sexuais sem as devidas precauções...
Meu mundo veio a baixo! A minha preocupação maior era o que seria do carnaval sem mim? Logo eu,  o primeiro a chegar  na praça e o último a sair?  Teria agora que desfazer das minhas fantasias do carnaval e ainda viver na dependência dos  coquetéis .  Não! Não irei deixar um vírus qualquer me derrubar! E o pior que nem sabia de quem mesmo eu fui contaminado, pelo menos para prevenir meus amigos. Perdi todo o controle do meu corpo, o vírus me derrubou, sim. Jogando-me no chão como aquele amontoado de serpentinas que ficam no meio do salão.
Hoje, da minha janela volto a olhar o movimento que acontece lá embaixo.  Meu coração dá alguns pulos tímidos. Mas o meu corpo  não  consegue pular, sambar, rodopiar.  Estou fraco. Mas ainda estou vivo!  E como vítima da folia, sinto que preciso fazer algo antes que o  meu coração se canse de vez....Pule, grite, dance, mas namore com responsabilidade. Se você acha que precisa dessa grande festa para ser feliz, aproveite todos os dias. Já pensei igual a você.
Não entendia que  tudo isso era algo passageiro. Por mais que me divertia na rua ao chegar em casa meu coração não estava alegre, faltava algo. Talvez, encontrar-me na folia. Precisou dessa tragédia para saber que o carnaval é uma festa linda, se formos para ela desarmados, se nós dançarmos em paz.  Sem dor nem violência.  Depende de cada um. 
Vejo que  as horas  passam mais rápido, aceleradas, também meu coração acelera no mesmo ritmo dos tambores, baterias e guitarras... final de festa para mim! Antes , porém, faço um pedido, apenas um: jogue  serpentinas no asfalto, mas não abra mão da sua proteção. Pois a picadinha  de uma abelha ou de um zangão poderá ser fatal.

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