Elisabeth Amorim
A vida é via de mão
dupla, apesar de muitos gostarem de trafegar na contramão. A batida é
inevitável e as consequências... Você
saberá após essa leitura. A história de um casal de lavradores que tinha um
sonho: comprar uma fantasia de carnaval e cair na folia. Como? Trabalhando duro naquela terra
infecunda, mas entusiasmado com a propaganda da festa popular.
Ricardo e Teresa queriam sentir o carnaval na pele, na
alma. E só servia o carnaval de rua, na
pipoca, pulando, empurrando, caindo e levantando... E assim fizeram. Juntaram as economias, reservaram a vaga em
um hotel na Avenida Sete, local
privilegiado, próximo ao Campo Grande, Praça Castro Alves, palco de toda a folia carnavalesca baiana. Lá
estavam Ricardo e Teresa.
Quem visse aquele casal não conseguiria identificar como
duas pessoas sofridas, labutando com a terra infértil, enfrentando a falta de
dinheiro para lidar com as pragas na plantação.
Mas, era o sonho que precisava ser realizado. Vivenciar o carnaval baiano. Sentir
integrante dessa festa tão conhecida pelos
outros, mas os dois não conheciam. Estavam felizes naquele furdunço.
Eles saiam a tarde só voltavam ao amanhecer. Cansados de
pular, gritar, extravasar a alegria de
finalmente fazer parte daquela festa mais animada do planeta. No Campo Grande, Ricardo e Teresa viram
vários artistas desfilarem em cima dos trios, com direito aquele aceno
tradicional: Ivete Sangalo, Claudia Leite, Saulo, Daniela Mercury, Bell
Marques, Psirico... Muita gente bonita.
Ricardo e Teresa estavam também fazendo parte daquela grande
festa. Cinco dias de festa! Chega a quarta-feira, cinzas de um carnaval que se
foi, mas no coração de Ricardo e Teresa
continuava bem presente. Eles
teriam que voltar para a roça que ficara para trás. Para aquela vidinha igual, sem nunca faltar o alimento, porém rezando para que São Pedro liberasse algumas
gotinhas de chuva...
Retornaram tristes. Tudo do mesmo jeito. No quintal as galinhas,
porcos, cabras disputavam o mesmo espaço em busca de alimento, cada vez mais
raro por conta da seca. Mais adiante um porco já no ponto de abate
precocemente, caso contrário seria mais uma cabeça perdida. Olhava para o céu, parecia que São
Pedro não iria enviar chuva por tão cedo.
Eles começam a pensar como na
cidade grande tudo é tão colorido. Tudo vira festa, carnaval.
- O que estamos fazendo aqui?
Desfazem da rocinha e dos animais que restaram daquela seca
miserável e vão morar na capital. Não quis ouvir conselhos contrários a decisão tomada. Não ficariam mais ali, a capital era o melhor
lugar para se viver, lá tinha festa, fantasia...Como o dinheiro não durou
muito, as festas não eram tão coloridas como antes. Fazem um barraco debaixo de um viaduto e ali
passa a ser a nova moradia. Agarrados às fantasias, vez ou outra vêem artistas
passando no alto do trio elétrico ,
acenando ao acaso, eles comemoram quando
são notados:
_ Você viu, Ricardo?
Aquela estrela deu um sinal para mim... Ela gostou da minha fantasia!
_ Para você?! Ela me notou... Ela falou comigo. Vamos
acompanhar aquele trio?
Com fantasias
invisíveis desparecem no meio da multidão, no trajeto catam algumas latinhas...
precisavam garantir o alimento.
* Jesús Villar, Carnaval (imagem apenas ilustrativa)
Ps: texto ficcional, nenhuma relação com o catador de latinhas assassinado ontem...
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