domingo, 7 de fevereiro de 2016

Fantasia de carnaval ( conto)

                                                                                                        Elisabeth Amorim
*

 A vida é via de mão dupla, apesar de muitos gostarem de trafegar na contramão. A batida é inevitável e as consequências...  Você saberá após essa leitura. A história de um casal de lavradores que tinha um sonho: comprar uma fantasia de carnaval e cair na folia.  Como? Trabalhando duro naquela terra infecunda, mas entusiasmado com a propaganda da festa popular.
Ricardo e Teresa queriam sentir o carnaval na pele, na alma.  E só servia o carnaval de rua, na pipoca, pulando, empurrando, caindo e levantando... E assim fizeram.  Juntaram as economias, reservaram a vaga em um hotel na Avenida Sete,  local privilegiado, próximo ao Campo Grande, Praça Castro Alves,  palco de toda a folia carnavalesca baiana. Lá estavam Ricardo e Teresa.
Quem visse aquele casal não conseguiria identificar como duas pessoas sofridas, labutando com a terra infértil, enfrentando a falta de dinheiro para lidar com as pragas na plantação.  Mas, era o sonho que precisava ser realizado.  Vivenciar o carnaval baiano. Sentir integrante dessa festa tão conhecida  pelos outros, mas os dois não conheciam. Estavam felizes naquele furdunço.
Eles saiam a tarde só voltavam ao amanhecer. Cansados de pular, gritar, extravasar a  alegria de finalmente fazer parte daquela festa mais animada do planeta.  No Campo Grande, Ricardo e Teresa viram vários artistas desfilarem em cima dos trios, com direito aquele aceno tradicional: Ivete Sangalo, Claudia Leite, Saulo, Daniela Mercury, Bell Marques, Psirico... Muita gente bonita.
Ricardo e Teresa estavam também fazendo parte daquela grande festa. Cinco dias de festa! Chega a quarta-feira, cinzas de um carnaval que se foi, mas no coração de Ricardo e Teresa  continuava bem presente.  Eles teriam que voltar para a roça que ficara para trás.  Para aquela vidinha igual, sem nunca faltar o alimento, porém rezando para que São Pedro liberasse algumas gotinhas de chuva...
Retornaram tristes. Tudo do mesmo jeito. No quintal as galinhas, porcos, cabras disputavam o mesmo espaço em busca de alimento, cada vez mais raro por conta da seca. Mais adiante um porco já no ponto de abate precocemente, caso contrário seria mais uma cabeça  perdida. Olhava para o céu, parecia que São Pedro não iria enviar chuva por tão cedo.  Eles começam a pensar como  na cidade grande tudo é tão colorido. Tudo vira festa, carnaval. 
 - O que estamos fazendo aqui?
Desfazem da rocinha e dos animais que restaram daquela seca miserável e vão morar na capital. Não quis ouvir conselhos contrários a  decisão tomada.  Não ficariam mais ali, a capital era o melhor lugar para se viver, lá tinha festa, fantasia...Como o dinheiro não durou muito, as festas não eram tão coloridas como antes.  Fazem um barraco debaixo de um viaduto e ali passa a ser a nova moradia. Agarrados às fantasias, vez ou outra  vêem  artistas passando no alto do  trio elétrico , acenando ao acaso,  eles comemoram quando são notados:
_ Você viu, Ricardo?  Aquela estrela deu um sinal para mim... Ela gostou da minha fantasia!
_ Para você?! Ela me notou... Ela falou comigo. Vamos acompanhar aquele trio?
 Com fantasias invisíveis desparecem no meio da multidão, no trajeto catam algumas latinhas... precisavam  garantir o alimento.

                              

* Jesús Villar, Carnaval  (imagem apenas ilustrativa)

Ps: texto ficcional, nenhuma relação com o catador de latinhas assassinado ontem...

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