sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Arte na areia (crônica)


          Quem valoriza a arte de alguém? Um anônimo qualquer  inicia o dia fazendo arte. Arte na areia!  Onde  as ondas do mar  ao cair da tarde lava todo o vestígio, sem deixar nem a placa que o artista colocou... Sua história muitas vezes é como a sua arte, feita num amontoado de areia. E você volta, olha e nada encontra pois já foi apagada pelas águas. Que tal solidificar essa arte?  E quem sabe assim ao entardecer alguém ao ler esse texto lembrará  de mais uma arte que não será destruída com a força das ondas... mas desmontada para o mundo.
          Estava tranquilamente  curtindo férias na capital baiana,  bem próximo ao Farol da Barra uma imagem me chama a atenção.  Eu de cima, no calçadão, olho  para a praia e começo fazer a leitura daquela imagem que estava  lá.   O que significava aquele pano branco estendido na areia e  ao lado  dele  uns dizeres em dois idiomas, em nosso bom português e em inglês?  O que aquele homem estava fazendo com a nossa praia?
             A frase era simples, mas impactante, pelo menos para mim.  Ela me fez refletir  sobre  o espaço do artista anônimo  e escrever esse texto, assim  como ele, me via na mesma praia: “ A sobrevivência desse trabalho depende da colaboração das pessoas que valorizam a arte.” De que maneira as pessoas valorizam a arte, o trabalho de alguém? É tão fácil apagar, agir como as ondas que limpam as praias das artes humanas.
          Realmente, percebi que havia um homem cavando a areia e juntando-a em um canto do grande buraco já feito.  Apuro o olhar noto que o pano não estava tão branco, havia algumas moedinhas jogadas lá do alto,  pessoas que passavam e sensibilizadas contribuíam daquela forma. Não quis procurar uma moeda para jogar, achei naquele momento muito violenta aquela contribuição. E comecei a pensar em alguns instantes qual seria o valor de uma arte.  Uma moeda?!
           Em questão de minutos, veio  a história de muitos artistas baianos que precisam dessas moedinhas. Artistas das areias, artistas dos cordéis , artistas dos trânsitos com os malabarismo entre um abrir e fechar dos sinais. E confesso, deu-me uma vontade de descer para conversar com aquele artista e colaborar muito mais que uma moeda, mas o grupo por me conhecer, antecipou a  resposta de uma pergunta não manifestada,  falando  que na volta pararíamos para ver o resultado da arte na areia. Eu caminhava, mas aquela imagem me acompanhou.  O que seria esculpido naquela areia?  Horas naquele sol, areia quente, idas e vindas ao mar com dois galões de água... Será que faria um trio elétrico na areia?! Uma moeda...
          No final da tarde ao retornarmos, olho atenta a procura do artista da areia. Nada!  Não havia nem sinal.  Frustrada  por não ter feito o que havia pensado e adiado o diálogo, vi quantos de nós adiamos  o  abraço, um ato de solidariedade,  uma  contribuição...uma moeda.
         Uma moeda,  talvez poderá ser pouco para você ou para mim, mas para muitos  nesse país do carnaval, cada moedinha doada  serve para o pão de cada dia.  É essa moedinha que faz com que artistas sobrevivam da própria arte.  Não cheguei a esse estágio, pois  pago caro para publicar um livro, sem apoio  é difícil.  Pela televisão vejo o carnaval da Bahia, imagens do Farol da Barra, atenta sinto que a maré está subindo... nenhuma moeda!

                                                                                            Elisabeth Amorim/ 2016

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