sábado, 22 de novembro de 2014

Tarsila do Amaral (prosa poética)






Pense numa mulher que fugiu das convenções de uma época... Sou eu. Nasci em 1886, em Capivari – São Paulo e faleci 1973. Estudei nas melhores escolas  do Brasil, Espanha, França...na adolescência permaneci em Colégio de Freiras. Filha e neta de milionários. E o que me fez diferente? Joguei para o alto a tradição familiar e mergulhei na arte... Inovação.
Numa época em a mulher teria que permanecer  em casa, aprendendo a bordar, cozinhar e obedecer ao marido. Comigo aconteceu o oposto. Aos dezesseis anos pintei a minha primeira tela: Sagrado Coração de Jesus, claro, reflexo da minha educação.  Casei-me e em pouco tempo separei. Tive uma filha, minha  Dulce. Algo me inquietava, essa vidinha de ficar em casa, esperando o André, não era para mim.   Voltei de Paris para a fazenda dos meus pais com a minha filha. Decidi ser dona do meu nariz.
Só que a fazenda também me sufocava. Eu queria pintar, usar os pinceis.   Mas precisava da técnica. Uma mulher pintora em pleno século XIX!  Imagine o escândalo! E  o que fiz?  Voltei a Paris para aperfeiçoar o meu talento. No meio em que vivi, a arte vira artificialidade. Conheci Oswald. Meu lindo poeta.  Formamos uma dupla e tanto! Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. Em 1922, voltei e fiz parte do grupo da Semana de Arte Moderna. Com as minhas ideias revolucionárias, pois defendia que os nossos artistas deveriam conhecer bem a arte europeia para ressignificá-la. Eu e meu amor, Oswald, botamos para quebrar!
Eu, a mulher das artes e ele, o homem do modernismo! Que pensamentos arrojados! Pena que a minha família sofreu com crise do café. Em 1929... perdeu  quase tudo.  Até  Oswald comecei a perder também...
Ele com as ideias para modificar a literatura. Fazer uma literatura diferente para o povo. Fiz uma obra que era a cara do meu amor.  É isso. Dizem que pintei o sete,  mentira! Pintei foi o Abaporu e dei  para Oswald de Andrade. Ele sorriu muito, pois sabia que era  um recado: “ homem que come”... Tudo a ver com a proposta do Pau-brasil e Antropofagia, nossos movimentos artísticos da época. Ele tinha razão. Temos muito que aprender com os povos canibais, esses antropófagos nos deram lições de vida seletiva. “Comer” só o que prestar, valer a pena. O resto é lixo, é podridão. Eu sou luxo!
De repente, perco meu Oswald para a Pagu.  É... Patrícia Galvão conseguiu ser mais atraente que eu. Atraente só não, feminista, revolucionária, mulher de coragem... Fisgou o meu peixe. Fiquei por baixo? Sim, mas fila anda. E Osório  foi meu novo amor...durou pouco.
Preciso me casar de novo.  Testar meu poder de sedução.  Casarei com um homem bem mais novo. Tenho atributos.  Luis. Isso! Luis só tem 20 anos menos que eu... Casei-me, mas novamente tudo se acabou. A doença é assim, chega, quando menos se espera.
 E agora fico a pensar... fiquei só e paralítica. Perdi minha filha, 1966. Um ano após aquela cirurgia errada... Um simples problema de coluna, jogou-me numa cadeira de rodas até os meus últimos dias. Posso garantir aos meus fãs, nunca pintei o sete! O Ovo, eu pintei! Não só o Ovo, mas Carnaval em Madureira, Sol poente, Lua, Abaporu,  A Negra, Operários... Mas os conservadores me detonaram. Que culpa eu tenho se as mulheres do século XIX se acorrentaram? Cada qual que cuide da própria vida. Foi o que fiz, vivi a minha vida.
 Eu acreditei no sonho de ser feliz.  Para realizá-lo faria tudo de novo.  E a minha arte mostra o quanto eu fui feliz, realizada, plena. Fui uma mulher que assumi a minha feminilidade sem me deixar abater com as críticas. Trouxe a Europa para a arte brasileira, respeitando a nossa cultura, a nossa gente. Aliás, fiz mais, levei a arte do Brasil para a Europa. Se “meus amores” sumiram quando perdi os movimentos das pernas, eles não imaginaram que o talento da grande mulher vai além delas...
                                                  

                                                              Elisabeth Amorim  
             Escritora baiana/ Professora de Literatura/ Mestra em Crítica Cultural


            * Fotos da exposição ocorrida no Colégio Estadual Lauro Farani, Iaçu - BA

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