domingo, 16 de novembro de 2014

A morte e a morte de Quincas Berro D'Água ( resenha)





AMADO, Jorge. A morte e a morte de Quincas Berro D’água.  ed 86. Editora Record: Rio de Janeiro, 1999. 96p.


Jorge Amado, escritor baiano da cidade de Ilhéus (1912 – 2001), é  o autor mais lido e adaptado para o cinema, teatro e televisão brasileira. Seus livros foram traduzidos em 80 países em mais de 40 idiomas. Revelando-se com isso, o quanto esse baiano  ajudou a divulgar a cultura do lugar, sendo as cidades de Ilhéus, Itabuna e Salvador cenários das suas narrativas. Na sua maioria para denunciar  a intolerância religiosa, a discriminação com o negro ou pobre, a hipocrisia social, e a luta dos grupos marginalizados para afirmação de identidades.
A vasta obra de Jorge Amado está espalhada pelo mundo, apenas citarei algumas como: Mar morto, Capitães da areia, Gabriela, Cravo e Canela,  Dona Flor e seus dois maridos,  Tenda dos milagres, Tieta do Agreste, A morte e a morte de Quincas Berro D’água... este último,   publicado pela primeira vez em 1959, é o que irei discorrer.
O que faz esse livro diferente? Como Jorge Amado relata a história  de um funcionário público que muda completamente a sua forma de encarar a vida?  Quais as denúncias que o grande Jorge Amado aponta no livro?
Falar da obra amadiana “A morte e a morte de Quincas Berro D’água” é  trazer a tona uma sujeira jogada debaixo do tapete, muito bem representada pela vida de Joaquim Soares da Cunha ou simplesmente Quincas.  Historia curta, utilizando-se de linguagem simples o autor narra a transmutação de “Joaquim” para  “Quincas” e as implicações sociais da mudança.
É válido lembrar que Joaquim aos 50 anos de idade, após observar o comportamento ridículo da esposa Otacília, decide mudar de casa.  Como a filha do casal,  Vanda, estava cada vez mais parecida com a mãe,  Joaquim desiste da vida de mentiras, aparências e hipocrisia na qual estivera mergulhada com a família.  Passa a morar em um quartinho numa viela e desde então deixa para trás a tradição de um nome, torna-se  o Quincas. Amigo dos bêbados, pobres e das prostitutas.
No entanto a decisão de Joaquim revolta a família que imediatamente corta relações, “matando-o” simbolicamente. Eis  a primeira morte: social. Pois para a classe média  pertencida, não combinava ter um parente que vivia num local  pobre e  sendo carregado pelos amigos para a boemia.
Quincas era viciado na cachaça, já acordava desejando um “gole”. E foi por conta desse vício que recebeu o apelido. Certo dia, ao chegar ao bar pedindo “água”,  vira o copo e percebe que era realmente água, deu um berro de revolta: “ É ÁGUA!” Pronto,  para o “Quincas” foi acrescido o “Berro D’água”, ao som das gargalhadas dos amigos.
   Quincas Berro D’água encontra-se abrigo e calor humano nas relações que travou com grupos marginalizados.  Até que um dia estava sendo esperando por uma amiga, foi encontrado morto, sozinho.  Fato que entristeceu  Curió, Negro Pastinha, Cabo Martim e outros   que inconformados com a súbita morte de Quincas, resolveram levar uma garrafa de cachaça para o velório, para o último gole com o amigo.  A morte de “Quincas” causou um mal estar na filha, Vanda, pois seus amigos não poderiam saber que o bêbado encontrado morto  era o seu pai, o grande “executivo” que chegara de viagem.  Contrariada, juntamente com o esposo Leonardo, vão  para o velório, mas preocupados com as aparências dão dinheiro para os amigos de Quincas  cuidarem do defunto.
Com isso o inusitado acontece, inclusive para o “Quincas”,  que segundo os amigos estava só “fingindo-se de morto” para beber mais que eles. Depois da farra do velório, resolvem prolongar em outro lugar. E claro, retiram Quincas do caixão, tiram a roupa de rico, e carregam-no para o bar. A bebida é tanta que ao passarem no porto, desequilibram-se e o “Quincas” escapole dos braços dos amigos,  cai na água e desaparece. Para os amigos ele “morre” afogado, indo encontrar-se com Iemanjá.
A  filha não aceita a versão de que “Quincas” não queria ser enterrado, finge que tudo está bem.   Aliviada, pois não precisava “fugir” para o funeral. E mais uma vez, Jorge Amado foi brilhante  ao denunciar toda a podridão que está nas relações humanas.  Na verdade ele apresenta uma sociedade com valores morais contaminados, impregnados de maldades, conveniências e “jeitinhos”.
Com isso, Quincas passa pela sua terceira morte. Sendo a primeira  social,  a segunda  foi a natural e a terceira quando desaparece no mar, torna-se a morte ideológica e fantasiosa. O  que faz as pessoas se comportarem dessa forma? Será que o dinheiro cobre a ausência humana?
A narrativa de Jorge Amado é fantástica, pois ela apresenta uma sociedade que vive nos escombros das aparências, nem que  para isso seja preciso jogar o outro no lixo.  E das mazelas surgem lições como a de Quincas,  ao  dizer “Não” para a hipocrisia, mentira, maldade... Em contraponto o Quincas ao sair de casa, abraçou a vida simples, errante, mas a vida que ele escolheu para ser feliz. E mais uma vez o autor usa a personagem das margens para mandar o recado. Pois naquele  espaço de pobreza tinha mais vida que no local que ele havia deixado para trás. Porque foi nas margens que Quincas foi abraçado pelo lado  humano que ele conservou, mesmo vivendo tantos anos numa sociedade em ruínas, que banaliza a vida em nome de valores distorcidos.

                                                                                                Resenha de Elisabeth Amorim.


Fernando Botero, Os limites da violência  (imagem  disponível na web, apenas ilustrativa)

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