AMADO, Jorge. A morte e a morte de Quincas Berro D’água. ed 86. Editora Record: Rio de Janeiro, 1999.
96p.
Jorge Amado, escritor
baiano da cidade de Ilhéus (1912 – 2001), é
o autor mais lido e adaptado para o cinema, teatro e televisão
brasileira. Seus livros foram traduzidos em 80 países em mais de 40 idiomas.
Revelando-se com isso, o quanto esse baiano
ajudou a divulgar a cultura do lugar, sendo as cidades de Ilhéus,
Itabuna e Salvador cenários das suas narrativas. Na sua maioria para
denunciar a intolerância religiosa, a
discriminação com o negro ou pobre, a hipocrisia social, e a luta dos grupos
marginalizados para afirmação de identidades.
A vasta obra de Jorge Amado está espalhada pelo mundo,
apenas citarei algumas como: Mar morto, Capitães da areia, Gabriela, Cravo e
Canela, Dona Flor e seus dois
maridos, Tenda dos milagres, Tieta do
Agreste, A morte e a morte de Quincas Berro D’água... este último, publicado pela primeira vez em 1959, é o que irei
discorrer.
O que faz esse livro diferente? Como Jorge Amado relata a
história de um funcionário público que
muda completamente a sua forma de encarar a vida? Quais as denúncias que o grande Jorge Amado
aponta no livro?
Falar da obra amadiana “A
morte e a morte de Quincas Berro D’água” é
trazer a tona uma sujeira jogada debaixo do tapete, muito bem
representada pela vida de Joaquim Soares da Cunha ou simplesmente Quincas. Historia curta, utilizando-se de linguagem
simples o autor narra a transmutação de “Joaquim” para “Quincas” e as implicações sociais da
mudança.
É válido lembrar que Joaquim aos 50 anos de idade, após
observar o comportamento ridículo da esposa Otacília, decide mudar de casa. Como a filha do casal, Vanda, estava cada vez mais parecida com a
mãe, Joaquim desiste da vida de
mentiras, aparências e hipocrisia na qual estivera mergulhada com a família. Passa a morar em um quartinho numa viela e
desde então deixa para trás a tradição de um nome, torna-se o Quincas. Amigo dos bêbados, pobres e das
prostitutas.
No entanto a decisão de Joaquim revolta a família que
imediatamente corta relações, “matando-o” simbolicamente. Eis a primeira morte: social. Pois para a classe
média pertencida, não combinava ter um
parente que vivia num local pobre e sendo carregado pelos amigos para a boemia.
Quincas era viciado na cachaça, já acordava desejando um
“gole”. E foi por conta desse vício que recebeu o apelido. Certo dia, ao chegar
ao bar pedindo “água”, vira o copo e
percebe que era realmente água, deu um berro de revolta: “ É ÁGUA!” Pronto, para o “Quincas” foi acrescido o “Berro
D’água”, ao som das gargalhadas dos amigos.
Quincas
Berro D’água encontra-se abrigo e calor humano nas relações que travou com
grupos marginalizados. Até que um dia estava
sendo esperando por uma amiga, foi encontrado morto, sozinho. Fato que entristeceu Curió, Negro Pastinha, Cabo Martim e outros que inconformados com a súbita morte de
Quincas, resolveram levar uma garrafa de cachaça para o velório, para o último
gole com o amigo. A morte de “Quincas”
causou um mal estar na filha, Vanda, pois seus amigos não poderiam saber que o
bêbado encontrado morto era o seu pai, o
grande “executivo” que chegara de viagem.
Contrariada, juntamente com o esposo Leonardo, vão para o velório, mas preocupados com as
aparências dão dinheiro para os amigos de Quincas cuidarem do defunto.
Com isso o inusitado acontece, inclusive para o “Quincas”, que segundo os amigos estava só “fingindo-se
de morto” para beber mais que eles. Depois da farra do velório, resolvem prolongar
em outro lugar. E claro, retiram Quincas do caixão, tiram a roupa de rico, e carregam-no
para o bar. A bebida é tanta que ao passarem no porto, desequilibram-se e o
“Quincas” escapole dos braços dos amigos, cai na água e desaparece. Para os amigos ele
“morre” afogado, indo encontrar-se com Iemanjá.
A filha não aceita a
versão de que “Quincas” não queria ser enterrado, finge que tudo está bem. Aliviada, pois não precisava “fugir” para o
funeral. E mais uma vez, Jorge Amado foi brilhante ao denunciar toda a podridão que está nas
relações humanas. Na verdade ele
apresenta uma sociedade com valores morais contaminados, impregnados de
maldades, conveniências e “jeitinhos”.
Com isso, Quincas passa pela sua terceira morte. Sendo a
primeira social, a segunda
foi a natural e a terceira quando desaparece no mar, torna-se a morte
ideológica e fantasiosa. O que faz as
pessoas se comportarem dessa forma? Será que o dinheiro cobre a ausência
humana?
A narrativa de Jorge Amado é fantástica, pois ela apresenta
uma sociedade que vive nos escombros das aparências, nem que para isso seja preciso jogar o outro no
lixo. E das mazelas surgem lições como a
de Quincas, ao dizer “Não” para a hipocrisia, mentira,
maldade... Em contraponto o Quincas ao sair de casa, abraçou a vida simples,
errante, mas a vida que ele escolheu para ser feliz. E mais uma vez o autor usa
a personagem das margens para mandar o recado. Pois naquele espaço de pobreza tinha mais vida que no
local que ele havia deixado para trás. Porque foi nas margens que Quincas foi
abraçado pelo lado humano que ele
conservou, mesmo vivendo tantos anos numa sociedade em ruínas, que banaliza a
vida em nome de valores distorcidos.
Resenha de Elisabeth Amorim.
* Fernando Botero, Os limites da violência (imagem disponível na web, apenas ilustrativa)
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