domingo, 19 de junho de 2016

Os filhos do Rei Maluquinho (conto)

             Para Artur, in memorian
     

                   Harturzito  era um  jovem   muito levado.   Irreverente, dava sempre uma banana para as etiquetas .  Muito cedo,  para fugir da pobreza, criou o seu  castelo para reinar absoluto e quebrar convenções, e uma delas  era apalpar as súditas. Isso já lhe causou alguns aborrecimentos e puxões de orelhas. O rapaz  pensava em mudar, mas não passava dai.
                  Com todas as esquisitices do moço, não é que em todo o reino, desaprenderam o seu nome e deram-lhe o apelido de Rei Maluquinho.  Na verdade, quase ninguém sabia desse seu título de “rei”, pois como o seu castelo foi construído por ele próprio e seus amigos íntimos:  uma coleção de bonecos gigantes,  tratados como filhos do rei.  Maluquinho malucava com sua turma a garotada do bairro.  Aliás, vê-lo sozinho e perguntar pelos seus filhos, recebia a resposta:
                 _ Quem garante que são meus filhos?
                 Com isso era uma gargalhada só. E se a intenção do outro era irritá-lo, não conseguia, pois a cada tentativa era um deboche. A vida de  Rei Maluquinho nunca foi fácil, desde cedo lidava com jovens carentes, ele era mais um. No entanto, quando baixava uma danada de uma depressão, Rei Maluquinho chamava os seus filhos e encenavam, debochando da situação criada e adeus tristeza. Os bonecos obedeciam o Rei Maluquinho, e a cada gesto era repetido despertando nos telespectadores uma sonora gargalhada. No fantoche não tinha igual!

             Não adiantava convidá-lo para uma festa, pois teria que ter espaço também para os seus filhos - os bonecos gigantes. Um dia, no castelo vizinho resolveram fazer uma festa, mas não queriam entrada dos bonecos. - As festas eram para gente e não para bonecos! Foi o que o Rei Maluquinho  ouviu. Ele retrucou:
            -  Onde já se viu uma festa sem bonecos? Pessoal, o Brasil está em crise, o povo é pobre, fazer festa tem que ser para os bonecos... Sem bonecos não há festa! Quem irá dançar com a panela vazia? Quem irá sorrir desempregado? Quem irá comemorar o salário baixo? São os bonecos!
             O Rei Maluquinho tinha razão, mas não quiseram ouvi-lo. Proibindo a entrada dos bonecos, a festa foi um horror, pois na falta dos bonecos, só os robôs compareceram. E era um choque de metal atrás do outro. Pois os robôs precisavam de mãos humanas no controle, as mãos humanas estavam descontroladas...  Era um robô batendo cabeça, aliás batendo as latas e curto circuito seguido de pane. Fim de festa.
            Enquanto no castelo ao lado, Rei Maluquinho fazia uma festa com os seus bonecos e rindo a valer ao observar as latas vazias amontoadas no passeio do vizinho. A sua alegria foi tamanha que Reizinho  adormeceu  ali mesmo  sorrindo da situação, tendo os seus filhos como companhia.
           Ao acordar teve uma desagradável surpresa. Os seus quatro filhos desapareceram. Reizinho levantou-se  e  correu as ruas da cidade de Alagoinhas, estado da Bahia,  a procura dos seus bonecos. Uns diziam que eles tinham sido enviados para Olinda, outros diziam que alguém vendou para ornamentar uma festa infantil, ainda outros achavam que os bonecos seriam usados na queima de Judas. Ao ouvir essas últimas suposições, Rei Maluquinho  chorou.


                 _ Como podem querer queimar os meus filhos!? Meus bonecos não fazem mal a ninguém.
                Até que um anãozinho que ia passando, com pena do Rei Maluquinho,  delatou os companheiros e correu  .
                E o Rei Maluquinho invadiu o depósito, percebeu que seus filhos estavam sendo preparados para exportação, pegou-os de volta e sumiu. Antes, porém, fez o mesmo gesto que eternizou a foto de Einstein .
                                               
                                                                 E. Amorim

*imagens ilustrativas.
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