terça-feira, 14 de junho de 2016

Associação de Autoras Excluídas (crônica)

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Por muito tempo o Brasil ficou conhecido como o país do futebol e do carnaval.  Grandes craques eram lançados e exportados.  Hoje, não sabemos mais por onde andam os craques, aliás são outros  ‘cracks” que roubam a cena, a bola, infâncias, vidas... Restando-nos apenas a correr atrás do trio elétrico, já que somos o país do carnaval ou perdemos também esse título?
Eu até gostava de futebol, torcia, fazia pipocas... Mas de uns tempos para cá,  o futebol  brasileiro anda tão sem sal ou talvez, salgado ao extremo, que não tenho mais paciência nem saúde para ficar assistindo profissionais ganharem fortunas e serem idolatrados dando péssimos exemplos de cidadania.  Muitos envolvidos em escândalos, sonegação de impostos e com baixo rendimento nos esportes, enquanto os pobres professores precisam de milagre para convencer  os pequenos alunos a gostarem de leitura.  Leitura, serve para quê?
Ora, na semana passada um aluno me perguntou o porquê da frase pichada no banheiro da escola “O governo não gosta de pessoas esclarecidas!” Contive a vontade de provocá-lo: “Quem é o governo? Quem ler não representa uma ameaça para o outro ?”  Tive que conter, mas não resistir a essa pergunta: - Se você fizer uma prova excelente e  ser reprovado, qual a sua reação? Não preciso transcrever a resposta do aluno, mas ele entendeu onde eu queria chegar, após outros exemplos dados.   Às vezes, jogamos no outro aquilo que em nós incomoda.
 E leitura é assim! Esclarecimento, informação, conhecimento geram de certa forma, um poder. Você poderá usar o seu poder  para o bem ou para o mal. O mesmo advogado que usa as palavras para a defesa de alguém, poderá invertê-las para condená-lo.  A lei da selva de pedras atende a interesses pessoais, ideológicos, políticos, religiosos, filosóficos, econômicos ... O aluno percebeu que um professor, munido de conhecimento, poderia “catar” os erros dele evidenciando-os e anular os acertos ou vice-versa, conforme a ideologia abraçada.  Porque na escala da hierarquia a voz do professor tem um peso maior que a do aluno. Então, não posso dizer que apenas o governo não gosta de pessoas esclarecidas, se eu, como cidadã, maior, eleitora, voto e ajudo eleger esse governo. E mais, se direta ou indiretamente contribuo para perpetuar ações arbitrárias na avaliação de alguém, eu também acabo assinando a pichação.
Aplausos do aluno com a cobrança, “escreva sobre isso!”  Escrever para quem?  Não se vende um livro. Talvez, assim se justifique o título de país do carnaval.   Recentemente, uma amiga se entusiasmou para escrever um livro, fruto da pesquisa realizada no mestrado. Cansada de esperar apoio, parte para o corpo a corpo. E de repente cai a ficha e me liga:
“_ Amiga, quando você publica um livro não ganha nada? Já fiz mil cálculos e não consegui ainda publicar meu livro.  Nenhuma editora quer  investir no desconhecido e todas cobram um preço absurdo. Precisamos criar uma Associação de Autoras Excluídas!”
Ela finalmente percebeu que publicar um livro no Brasil é uma tarefa de gigantes.  E com todo esse sacrifício da amiga, tive que informá-la do desafio maior ela teria após o investimento financeiro...   tentar convencer o leitor comprar o  produto  anunciado.  Como tenho a persistência e determinação  de “Norma” , protagonista do meu conto Parede nua, não desistirei enquanto vida tiver.  Mas, tudo bem, continuemos ainda com o título, ainda resta a esperança na associação que iremos criar.


                                               E. Amorim


*imagem apenas ilustrativa, disponível na web.

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