domingo, 26 de junho de 2016

Com o tempo aprendemos...(mensagem)


O tempo é o tranquilizante  eficaz para  o controle das emoções.  Porque com o tempo vem a experiência, a cautela e o domínio da impulsividade. Só o  tempo nos dar maturidade para sair  de certas situações embaraçosas  e vivermos intensamente o momento presente, fazendo as  travessias nas pontes construídas.  Como assim?
Respire bem fundo, deixe os batimentos cardíacos normalizarem. Pronto! Só depois  responder as provocações diárias com sabedoria. Isso se valer a pena alguma resposta. Porque se a pessoa que gerou o mal-estar é  insignificante, deixe-a  esperando a resposta. Um dia ela crescerá também, e  irá se envergonhar  das agressividades gratuitas dirigidas a quem nunca lhe fez mal algum.
Já houve um tempo que tinha a resposta para tudo. E o que ganhei dando respostas prontas  a pessoas que não estavam dispostas a ouvi-las? Nada de bom.  Com o tempo a gente aprende a não se martirizar quando só  notam defeitos.  Não adianta querer ensinar algo  para quem acha que aprendeu tudo,  nem tentar justificar-se diante de pessoas que já assinaram o veredito a seu respeito.  Então,  entregue-se  ao tempo.
Ele cura cicatrizes  mas poderá abrir novas, mas  com a maturidade  você se sairá bem. Agora, não vale  agir como uma criança sapeca, depositar o seu pacotinho de lixo na porta do vizinho.  Aprenda a lidar com os medos e fracassos, as angústias,  ansiedades e depressões...
Conheci virtualmente um leitor/escritor que a cada texto lido deixava um recadinho agressivo para o autor, referindo-se de forma depreciativa, preconceituosa. E fui acompanhando  a busca dele desenfreada pelos meus textos,  apenas para agredir-me gratuitamente.  Um dia, cansada dos rótulos a minha pessoa,  agir como ele ou como uma criança perversa,  fiz um texto/recado, falando sobre "ser inconveniente"...  Esse  texto ele me parabenizou,   classificou-o como  melhor de todos.  Confesso,  arrependi da  pequena travessura, pois depois dos elogios, ele desapareceu, sem antes, claro, fazer um texto diretamente para mim.  Talvez, se eu tivesse dado o tempo que ele precisava  para reconhecer que estava viciado em ler textos ruins, pobres, vazios e outros adjetivos deixados na página, eu teria ainda hoje um leitor assíduo, mesmo para criticar-me, e daí? A literatura online é  para que os prováveis leitores critiquem, elogiem, compartilhem ou ignorem.  Só é preciso entender que a crítica precisa ser para o texto e não para o autor.

Um amigo me disse que a vida ensina que para crescer  é preciso aliar-se a pessoas mais inteligentes... Sim, mas se por acaso os inteligentes não quiserem alianças, nós, pobres errantes,  crescemos do mesmo jeito, demora um pouquinho, porém, com o tempo apendemos também a ouvir a  doce voz do silêncio e desmontamos a literatura.

                                                                                                              Eamorim

quinta-feira, 23 de junho de 2016

A Ovelhinha Diferente


Emma nasceu e de imediato a Mamãe Ovelha percebeu que o seu filhote era diferente.  Aquilo incomodou a Mamãe Ovelha, porque as ovelhinhas eram todas iguais, tão iguais que ela nem se incomodou em colocar um nome.  O que uma fazia as outras acompanhavam. Como  Emma nasceu tão diferente?
O pai de Emma olhou-a desconfiado, não berrou alto nem comemorou em sinal de protesto, mas lançou um olhar duro para a Mamãe Ovelha, como se tivesse culpando-a:
_ Como  essa ovelhinha veio parar aqui?  Parece uma ema, vive esticando esse pescoço.
Emma cresceu e desde cedo, berrava mais alto quando não queria algo. Emma não aceitava seguir ninguém.  Ela precisava escolher o caminho. E muito cedo, Emma liderava todo o rebanho, definitivamente, Emma era diferente, até aquele nome ela ganhou.  Pressentia um perigo a distância, avisava imediatamente as colegas,  livrando-as das picadas de cobras.  Quanto mais Emma tornava-se independente, mas inimigos ela conquistava, pois sempre acostumados a obedecer sem questionar, com Emma era preciso refletir.  Emma incentivava ativar o pensamento crítico.
Os pais de Emma incomodados com o poder de liderança de Emma, a  chamaram e advertiram:
_Emma,  você precisa ser como os seus irmãos, colegas, primas.  Ovelhas são iguais, não sabemos porque você nasceu tão diferente...Até parece que não é ovelha. Acho que nós erramos em chamá-la de Emma. Você não precisava de um nome... 
Emma não pensava assim.  E resolveu questionar:
- Por que tenho que ser igual? Meus pais, vocês acham que  uma ovelha seguir a outra torna-se  igual?   Nós temos as nossas diferenças! Nenhuma ovelha é igual a outra, vocês estão equivocados. E meus irmãos são todos diferentes! Cada um com características próprias...
- Você está mudando a cabeça das nossas ovelhinhas e das ovelhinhas vizinhas. Não podemos mais ficar com você aqui.
Ao ser expulsa daquele curral, Emma conheceu  uma  ovelha que estava pastando afastada do seu grupo. E o primeiro olhar selou a amizade. Ao se apresentar,  Emma foi convidada a participar daquele rebanho.  E já prevendo uma nova expulsão, Emma contou o que havia acontecido.
A sua nova amiga a abraçou para apresentá-la ao rebanho.  Indignada com a forma de pensar sobre as ovelhas e pensou antes de chamar as colegas, “ acho que Emma irá gostar das minhas  irmãs,  primas...”
_ Preguiça, Relva,  Lerdinha,  Zangada, Pula-Pula,  Felicidade, Sombra, Viagem, Tristinha, Alegria... venham conhecer a nossa nova amiga!
E várias ovelhas branquinhas aparecerem correndo para receber a nova integrante do rebanho. Sorrindo, uma das ovelhas perguntou:
_ Pretinha,  nossa amiga linda, como é o nome dela? Como ela veio parar aqui?
E Pretinha sorrindo respondeu:
_Desculpe-me amiga Curiosa,  esqueci de falar, o nome dela é Emma, e ela vai morar conosco!
E de imediato surge uma ovelha pulando de um lado para outro e disse:
_Emma, seja bem-vinda! Sou  Pula-Pula, gosto muito de pular...
Dessa vez  quem sorriu foi Emma. Nem precisava perguntar o porquê dos nomes das novas amigas. Pretinha , Curiosa e Pula-Pula já responderam. Tinha certeza que naquele rebanho ela seria muito feliz, afinal ali,  as diferenças eram respeitadas.

                                          E. amorim

quarta-feira, 22 de junho de 2016

O homem em 'de-composição' ( crônica)

             
Se tem uma coisa que  irrita é ser julgado pela aparência.  O caráter da pessoa não se mede pela etiqueta da roupa, nem  na quantidade de dinheiro que traz na carteira. Porque a etiqueta do caráter só é visível através das ações praticadas no dia-a-dia, no silêncio.  Diferente  daquela ação que precisa de testemunhas  e milhares de curtidas. Essa também é válida, pois atende  outras  intenções pretendidas. Quem foge das ideologias? Cada modo de vida deve ser respeitado.
Errado é querer colocar todos na própria forma.  É achar que todos tem os mesmos propósitos que os seus, permanecer no erro por conta da multidão.  É jogar pedras nas pessoas que pensam  contrário a você.  Enfim, mais  errado ainda é querer impor a sua verdade como única, sem abrir portas para outras verdades permeadas de ideologias.  Por isso, esse texto ficará aberto...
Aberto para você criticar a minha ou a sua loucura. Talvez, eu seja tão 'a-normal'  quanto  você. Quer tentar  seguir a linha de raciocínio? Assistindo a uma reportagem sobre self, uma jovem disse a repórter mais ou menos assim: “_ Chego a tirar 150 fotos para escolher uma perfeita!  Como essa aqui, eu  consegui capturar a minha essência, minha alma...”  E de imediato, refleti. Como seria essa imagem que captura a alma e a essência de alguém?  Somos tão inconstantes e mascarados como  um dia de verão  surpreendido pela chuva repentina. E mais adiante a repórter questiona:
_ o que acontecerá  se você postar uma foto desarrumada?!
E a jovem de olhos arregalados, disse apressada:  “- Deus me livre! Seria o meu fim! Ninguém curtiria.”
A inconstância  determina o estado de humor. Conforme o dia e relação com o outro,  uma crítica banal  sobre a  aparência é motivo de sorrisos e descontração. Em outro dia, o mesmo comentário, vindo de outro,  é a razão para querer decretar a Terceira Guerra Mundial.  Isso já vi  quando uma colega de classe fez uma crítica a foto da amiga, aliás, após  a discussão  a base dos tapas e empurrões, tornaram-se inimigas.  Fui surpreendida com uma série de fotos  para que apontasse a mais feia.   Tudo é muito relativo,  justifiquei-me, mas apontei  justamente a que motivou a confusão  de antes.
Leitor, não apanhei, sou de paz.  A jovem sorriu e disse que também não havia gostado daquela foto, pois estava muito artificial.  Mas, como uma série de pessoas curtiram... Gente, ela seguia a multidão, mesmo não gostando da foto, fingia gostar. Não resistir e questionei o motivo da briga se ambas pensavam do mesmo jeito...  Está vendo onde pretendo chegar ao dizer que podemos ser  mais “a/ normal” do que apresentamos? Talvez, por isso, nunca deixei a minha esquisitice de lado, não sigo multidão! Não a julgo, pois sei que tudo tem uma razão para acontecer.  Recuso-me viver na mediocridade, mas tento viver  acima dela.
Então é melhor não julgar o outro pela aparência arrumadinha ou não. O que somos , foto nenhuma consegue capturar. A imagem é representação  séria, descontraída, zangada, feliz, preocupada, irreverente, calma, nervosa, irritada de alguém... A pessoa representada continua sendo a mesma.
Lembrei-me da crônica “O nariz”,  de Luis Fernando Veríssimo, quando um dentista  conceituado ao colocar um nariz postiço de borracha perde todos clientes, a família e  amigos. -Louco! Ele está louco! E ele dizia sou quem  sou ou apenas um nariz?    Venceu o nariz, porque  aquele pedacinho de borracha fez  o dentista  perder o que arduamente conquistou: APARÊNCIAS no mundo das ideias...  enquanto a sua volta percebia o homem  em estado de  ‘de-composição’...

                                                                                        E.Amorim


segunda-feira, 20 de junho de 2016

São João passou por aqui? (crônica)


Lembro-me sem nenhum saudosismo de como era a festa mais famosa do nordeste  em minha cidade,  também  a mais esperada:  São João.  E o São João ( 23 e 24 de junho) acompanhada de perto do São Pedro (28 e 29) eram  motivos de grandes expectativas, por conta das guloseimas  típicas recolhidas nas casas visitadas, tudo na base do 0800.
Era interessante formar um grupo de amigos e andar pelas ruas das cidades e a cada porta,  a pergunta tradicional:
_São João passou por aqui?
Conforme a resposta, o grupo era convidado a entrar e saborear das comidas típicas que estavam sobre as mesas: amendoim, canjica,  cana, bolo de milho, pamonha, licor, milho verde cozido, laranja entre outras. Após saciar o apetite voraz do grupo, passava para  a casa vizinha.  E o ritual ia se repetindo e o grupo cada vez mais alcoolizado, barulhento e indiscreto ia fazendo a ronda pela cidade.  Vez ou outra encontrava-se com grupos dos fogos de artifícios, colocando-o para correr para não se queimar. Isso, porque cada grupo tinha o seu pedaço de acesso! Exclusivamente para diversão.
Quando as pessoas achavam o grupo muito grande, fruto da junção com outros grupos encontrados no caminho, não permitiam a entrada na casa, evitando o "arrastão" na mesa de comidas. Ninguém se incomodava, era apenas curtição e sorrisos.  E aquela massa de jovens, com calças jeans, botas, chapéus de palhas,  muitos gostavam de carregar na maquiagem ou com roupas bem coloridas, geralmente com um copo na mão, ia invadindo os cantinhos  e diante da pergunta, ouvia a resposta:
_ Passou, mas já foi embora! Só no próximo ano...
_ Obrigada, dona! Feliz São João!
Ou então diziam:
_ Só temos licor! A comida acabou...
A verdade é que o grupo muito grande causava sim, um certo medo. Quanto mais bebia, mais o grupo  aprontava.  Muitos, pegavam licor e disfarçadamente, jogavam na fogueira,  integrantes voltavam bêbados, e pronto!  Para aqueles o São João foi um show, pois conseguiu derrubá-los.  Restava  no dia seguinte buscar remédio para curar a ressaca e se preparar para o São Pedro,  o alvo era casa de pessoas viúvas.  No São João as fogueiras a frente da casa eram praticamente em quase todas as casas de católicos, mas no São Pedro  as fogueiras eram acesas somente nas  casas de viúvas. Não me pergunte o porquê.  E a caça pelas comidas típicas era reduzida, mas não deixava de formar um grupo bem menor  e ir em busca de algo para comer e no dia seguinte socializar as novidades pescadas durante a caminhada. No meu caso, recorria a escrita, fazia registros, pois nunca gostei de beber/comer em demasia. Mas com meus cabelos de tranças, dentes pintados, estava atenta a tudo que acontecia a minha volta.

Quando digo sem saudosismo, porque há muito tempo deixei de participar, por opção pessoal, de festas movidas pelo consumismo exacerbado da bebida alcóolica,  mas não deixo de observar a mudança  radical de atitude de muitos jovens .  Hoje, basta sair mais cedo para caminhada matinal num domingo qualquer,  é possível encontrar galeras retornando de festas ao amanhecer, e não precisa ser no mês de junho.  E nem perguntar:
 _ São João passou por aqui?
Ao conversar com um jovem, levemente embriagado, alertei sobre os perigos de pilotar uma moto ingerindo bebida alcóolica, principalmente num período festivo na cidade... E me surpreendi com a resposta irônica:
_ Eu quando bebo piloto melhor essa moto! Sou até capaz de andar com uma roda só... Só quando bebo faço isso! Mas fique tranquila, porque   eu o João somos íntimos, afinal gostamos de cachaça!
E a tradição  junina segue... bebendo,  pulando, dançando forró e quadrilhas na praça pública.  Os mais jovens de divertem, alguns com  arranhões pelas quedas,  e nem precisam pintar os dentes para falsear a ausência, mas como dizem: “ Faz parte!"  Agora, se quiserem beber em demasia, encontram  uma variedade de licor para todos os gostos,  nas barraquinhas de palhas dispostas  em volta do circuito das festas juninas,  comidas típicas  são vendidas também.  E o capitalismo mudou a cara do São João no interior, só para servir de alerta, mesmo sem  eco:  É proibida a venda de bebida para menores de 18 anos. Se beber não dirija! Evite acidentes, não beba! ... Ah, e Feliz São João!

                                                                                   EA



ESCRITORES/LEITORES E AS ESCRITAS DE SI: entre a autoria e a performance de recantistas

INTRODUÇÃO

Não resta dúvida que vivemos numa sociedade mediada pelas tecnologias. Cada vez mais os celulares, smartphones, tabletes entre outros aparelhos digitais são ferramentas de uso nas mãos de professores e estudantes. Com isso a sala de aula, principalmente nas aulas de literatura, as leituras virtuais ganham espaço e compartilhamento. E as primeiras inquietações dizem respeito a autoria, já que muitos  escritores  se “escondem” atrás do computador e espalham a literatura pelo mundo. Como eles/elas se identificam? E que histórias eles/ elas contam sobre si em seus perfis?
Sabemos que o espaço virtual é imenso e “inavegável” se tentarmos fazer essa travessia sem demarcarmos alguns pontos interessantes para serem discutidos. Assim, estabeleço parcerias onde consegui apoio dos co-pesquisadores, escritores/leitores virtuais, contrapondo com sujeitos que passaram pela página aberta da entrevista/enquete online e nada registraram. Nesse artigo apresentarei algumas histórias de escritores anônimos da contemporaneidade divulgadas em sites pessoais ou escrivaninhas específicas, no ambiente virtual que os abriga desde 2004, chamado Recanto das Letras.
O artigo foi estruturado em três seções a saber: a primeira intitulada  “ autoria, identidade e performance” na qual  discorro sobre o aporte teórico que sustenta esse texto, fazendo um breve panorama do espaço virtual Recanto das Letras onde escritores/ leitores atenderam ao chamado através de uma entrevista/enquete virtual.  A segunda seção centrará o olhar crítico para as estratégias utilizadas pelos escritores entrevistados, anônimos fora do ambiente virtual, mas com grande aceitabilidade de público leitores no espaço transitado. Como usarei a entrevista/enquete para norteá-la, traz o título: “Respondendo pergunta difícil... o que é ser escritor?” E a terceira e última seção “A literatura online e as historias de si” apresentarei as narrativas dos entrevistados sobre a relação com a leitura e literatura online, priorizando escritores da Bahia.
Um dos pontos relevantes da pesquisa diz respeito a aplicação da entrevista online. Isso porque só foi possível realizá-la mediante cadastramento prévio no referido site analisado. O site Recanto das Letras é fruto de projeto de divulgação literária criado  desde 2004 por um brasileiro, até o momento não disponho da autoria, mas através de e-mail para administração da plataforma literária, como costumam chamar, fui informada que atualmente conta com a estimativa de 160.000 autores cadastrados em  todo o mundo.
Assim, durante o período de 17 de dezembro de 2015 a 07 de janeiro de 2016 foi disponibilizado um texto em minha escrivaninha para cada visitante leitor e/ou escritor refletisse sobre o seu papel naquele espaço virtual. O texto trata-se de uma entrevista poética, como forma de enquete, no qual os leitores sem distinção de região, gênero ou faixa etária, poderiam deixar a contribuição em prosa ou em verso, partindo-se da questão principal “o que é ser escritor?” Respondendo também quando começou a escrita/ leitura virtual bem como a relação autor e personagem performático em rede.
 Durante os vinte dias de observação e interação, foram 226 visitas para o texto “O que é ser escritor?” sendo que 64 escritores/leitores visitantes deixaram algum registro na referida página em discussão. Os números são: 16 de São Paulo, 11 de Minas Gerais, 9 do Rio de Janeiro, 8 da Bahia, 4 do Ceará, 3 de Pernambuco, 3  de Santa Catariana, 2 de Goiás, 2 de Piauí,  e 1 dos seguintes estados: Espírito Santo, Alagoas, Paraná, Rio Grande do Norte,  Rio Grande do Sul e Tocantins.
Enfim, o que esses escritores online registram sobre o papel do escritor/leitor virtual? Será que eles produzem literatura? O que é ser escritor/ leitor na era das tecnologias? Bem, isso você saberá lendo esse artigo. Vale a ressalva, a página continua ativa no ambiente virtual em discussão, mas os registros após o prazo citado não foram analisados, isso significa dizer que os números aumentaram consideravelmente.
  








domingo, 19 de junho de 2016

Os filhos do Rei Maluquinho (conto)

             Para Artur, in memorian
     

                   Harturzito  era um  jovem   muito levado.   Irreverente, dava sempre uma banana para as etiquetas .  Muito cedo,  para fugir da pobreza, criou o seu  castelo para reinar absoluto e quebrar convenções, e uma delas  era apalpar as súditas. Isso já lhe causou alguns aborrecimentos e puxões de orelhas. O rapaz  pensava em mudar, mas não passava dai.
                  Com todas as esquisitices do moço, não é que em todo o reino, desaprenderam o seu nome e deram-lhe o apelido de Rei Maluquinho.  Na verdade, quase ninguém sabia desse seu título de “rei”, pois como o seu castelo foi construído por ele próprio e seus amigos íntimos:  uma coleção de bonecos gigantes,  tratados como filhos do rei.  Maluquinho malucava com sua turma a garotada do bairro.  Aliás, vê-lo sozinho e perguntar pelos seus filhos, recebia a resposta:
                 _ Quem garante que são meus filhos?
                 Com isso era uma gargalhada só. E se a intenção do outro era irritá-lo, não conseguia, pois a cada tentativa era um deboche. A vida de  Rei Maluquinho nunca foi fácil, desde cedo lidava com jovens carentes, ele era mais um. No entanto, quando baixava uma danada de uma depressão, Rei Maluquinho chamava os seus filhos e encenavam, debochando da situação criada e adeus tristeza. Os bonecos obedeciam o Rei Maluquinho, e a cada gesto era repetido despertando nos telespectadores uma sonora gargalhada. No fantoche não tinha igual!

             Não adiantava convidá-lo para uma festa, pois teria que ter espaço também para os seus filhos - os bonecos gigantes. Um dia, no castelo vizinho resolveram fazer uma festa, mas não queriam entrada dos bonecos. - As festas eram para gente e não para bonecos! Foi o que o Rei Maluquinho  ouviu. Ele retrucou:
            -  Onde já se viu uma festa sem bonecos? Pessoal, o Brasil está em crise, o povo é pobre, fazer festa tem que ser para os bonecos... Sem bonecos não há festa! Quem irá dançar com a panela vazia? Quem irá sorrir desempregado? Quem irá comemorar o salário baixo? São os bonecos!
             O Rei Maluquinho tinha razão, mas não quiseram ouvi-lo. Proibindo a entrada dos bonecos, a festa foi um horror, pois na falta dos bonecos, só os robôs compareceram. E era um choque de metal atrás do outro. Pois os robôs precisavam de mãos humanas no controle, as mãos humanas estavam descontroladas...  Era um robô batendo cabeça, aliás batendo as latas e curto circuito seguido de pane. Fim de festa.
            Enquanto no castelo ao lado, Rei Maluquinho fazia uma festa com os seus bonecos e rindo a valer ao observar as latas vazias amontoadas no passeio do vizinho. A sua alegria foi tamanha que Reizinho  adormeceu  ali mesmo  sorrindo da situação, tendo os seus filhos como companhia.
           Ao acordar teve uma desagradável surpresa. Os seus quatro filhos desapareceram. Reizinho levantou-se  e  correu as ruas da cidade de Alagoinhas, estado da Bahia,  a procura dos seus bonecos. Uns diziam que eles tinham sido enviados para Olinda, outros diziam que alguém vendou para ornamentar uma festa infantil, ainda outros achavam que os bonecos seriam usados na queima de Judas. Ao ouvir essas últimas suposições, Rei Maluquinho  chorou.


                 _ Como podem querer queimar os meus filhos!? Meus bonecos não fazem mal a ninguém.
                Até que um anãozinho que ia passando, com pena do Rei Maluquinho,  delatou os companheiros e correu  .
                E o Rei Maluquinho invadiu o depósito, percebeu que seus filhos estavam sendo preparados para exportação, pegou-os de volta e sumiu. Antes, porém, fez o mesmo gesto que eternizou a foto de Einstein .
                                               
                                                                 E. Amorim

*imagens ilustrativas.
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terça-feira, 14 de junho de 2016

Associação de Autoras Excluídas (crônica)

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Por muito tempo o Brasil ficou conhecido como o país do futebol e do carnaval.  Grandes craques eram lançados e exportados.  Hoje, não sabemos mais por onde andam os craques, aliás são outros  ‘cracks” que roubam a cena, a bola, infâncias, vidas... Restando-nos apenas a correr atrás do trio elétrico, já que somos o país do carnaval ou perdemos também esse título?
Eu até gostava de futebol, torcia, fazia pipocas... Mas de uns tempos para cá,  o futebol  brasileiro anda tão sem sal ou talvez, salgado ao extremo, que não tenho mais paciência nem saúde para ficar assistindo profissionais ganharem fortunas e serem idolatrados dando péssimos exemplos de cidadania.  Muitos envolvidos em escândalos, sonegação de impostos e com baixo rendimento nos esportes, enquanto os pobres professores precisam de milagre para convencer  os pequenos alunos a gostarem de leitura.  Leitura, serve para quê?
Ora, na semana passada um aluno me perguntou o porquê da frase pichada no banheiro da escola “O governo não gosta de pessoas esclarecidas!” Contive a vontade de provocá-lo: “Quem é o governo? Quem ler não representa uma ameaça para o outro ?”  Tive que conter, mas não resistir a essa pergunta: - Se você fizer uma prova excelente e  ser reprovado, qual a sua reação? Não preciso transcrever a resposta do aluno, mas ele entendeu onde eu queria chegar, após outros exemplos dados.   Às vezes, jogamos no outro aquilo que em nós incomoda.
 E leitura é assim! Esclarecimento, informação, conhecimento geram de certa forma, um poder. Você poderá usar o seu poder  para o bem ou para o mal. O mesmo advogado que usa as palavras para a defesa de alguém, poderá invertê-las para condená-lo.  A lei da selva de pedras atende a interesses pessoais, ideológicos, políticos, religiosos, filosóficos, econômicos ... O aluno percebeu que um professor, munido de conhecimento, poderia “catar” os erros dele evidenciando-os e anular os acertos ou vice-versa, conforme a ideologia abraçada.  Porque na escala da hierarquia a voz do professor tem um peso maior que a do aluno. Então, não posso dizer que apenas o governo não gosta de pessoas esclarecidas, se eu, como cidadã, maior, eleitora, voto e ajudo eleger esse governo. E mais, se direta ou indiretamente contribuo para perpetuar ações arbitrárias na avaliação de alguém, eu também acabo assinando a pichação.
Aplausos do aluno com a cobrança, “escreva sobre isso!”  Escrever para quem?  Não se vende um livro. Talvez, assim se justifique o título de país do carnaval.   Recentemente, uma amiga se entusiasmou para escrever um livro, fruto da pesquisa realizada no mestrado. Cansada de esperar apoio, parte para o corpo a corpo. E de repente cai a ficha e me liga:
“_ Amiga, quando você publica um livro não ganha nada? Já fiz mil cálculos e não consegui ainda publicar meu livro.  Nenhuma editora quer  investir no desconhecido e todas cobram um preço absurdo. Precisamos criar uma Associação de Autoras Excluídas!”
Ela finalmente percebeu que publicar um livro no Brasil é uma tarefa de gigantes.  E com todo esse sacrifício da amiga, tive que informá-la do desafio maior ela teria após o investimento financeiro...   tentar convencer o leitor comprar o  produto  anunciado.  Como tenho a persistência e determinação  de “Norma” , protagonista do meu conto Parede nua, não desistirei enquanto vida tiver.  Mas, tudo bem, continuemos ainda com o título, ainda resta a esperança na associação que iremos criar.


                                               E. Amorim


*imagem apenas ilustrativa, disponível na web.

sábado, 4 de junho de 2016

Parede nua (conto)

*

Norma era uma dona-de-casa que queria ir além. Por pensar diferente não era vista como normal pelos seus vizinhos.  O normal era aceitar ser apenas dona-de-casa e ponto final. Mas Norma fingia ignorar as interrogações e os discursos implícitos no olhar de cada um. Mesmo morando na zona rural, com oportunidades mínimas de mudança de vida, ela resolveu enfrentar todo o tipo de preconceito para ir em busca do seu sonho: ser professora. 
Não era fácil para Norma ter que enfrentar aquela jornada. Às vezes, pegava carona em cima de caminhão,  sabia dos muitos degraus que teria a sua frente, mas estudava muito, conseguiria subir aquela escada até o topo, mesmo o sistema empurrando-a para baixo. No vilarejo em que morava era conhecida, talvez, por quebrar tabus... A gravidez na adolescência, mãe solteira e o último deles era sair regularmente por conta dos estudos, colóquios, seminários, congressos, workshop...  as palavras estranhas naquele local contribuíam para aumentar os rótulos.  Vieram as cobranças do diploma na parede. Morava numa casa humilde, mas já havia pintado a parede para colocá-lo, apesar da dedicação daquela jovem senhora de 33 anos,  a parede continuava vazia.
A cidade grande era como uma selva de pedras e concretos para Norma. Hostilizada por não fazer parte do grupo urbano, as roupas simples, linguagem monossilábica, olhar triste eram  elementos de escárnios.  Ninguém validava o esforço daquela mulher para chegar até aqueles prédios com bonitas fachadas. Norma levava a sua marmita quase vazia, fruto da dieta forçada. Ela tinha que conciliar despesas domésticas e livros  por conta daquele sonho. Mas, na sala de aula, Norma não passava de um número, especial, talvez, porque aquele local não foi feito para ela.
Mas Norma estava ali, contrariando as estatísticas e as normas locais. Firme, mãos calejadas por conta do cabo da enxada, pele bronzeada do sol intenso,  achava-se dura na queda. Nunca vivenciara tanta violência. Exclusão não é apenas expulsar, mas invisibilizar o outro. E Norma naquele espaço  não passava disso, uma mulher invisível.
 Toda semana ouvia uma piadinha do motorista:   “_ Ô mulher que dorme fora de casa!”  Não respondia, pois ele não entenderia.  Norma era a Macabéa daquele local, tinha a estranha mania de achar que chegaria a “hora da estrela”.
Norma enfrentava os problemas mais difíceis para conseguir o seu diploma, a sua vaga. Era uma prova de resistência... a cada dia subia alguns degraus, mas era obrigada a descer  tantos outros para cuidar do pai da sua filha que retornou muito doente, a filha que segue o exemplo da mãe, engravida na adolescência, e para completar, lidar com a discriminação dos seus colegas mais jovens e apadrinhados. Entre as visitas na UTI e livros havia uma Norma. Entre as teorias e a prática, também estava Norma. Entre a sabedoria e a ignorância, Norma! Mesmo dominando o conteúdo, era sempre a ignorante.
Limpou uma lágrima traiçoeira, não sentiria saudade do seu neto que não vingou. Seria mais um que sofreria o preconceito por nascer pobre naquele lugar. Foi esperto, antecipou demais o nascimento, não resistiu!
Novas lágrimas, limpou as com raiva. Raiva de ser pobre. Raiva de trazer no nome uma marca. Raiva de ser saco de pancadas da vida. Dessa vez ela não queria perder, não queria descer nenhum degrau, pois foram anos de caminhada, empurrões e rasteiras. Já arranhara bastante, não queria mais nenhuma cicatriz.  As doenças inesperadas vieram para sua família tirando o sorriso, o sono, a tranquilidade, não! Não deixaria levar também o seu sonho.
 Norma passava sete horas diárias estudando. Às vezes, nos quartos de hospitais, lá estava ela com um livro, enquanto a outra mão  segurava outra  tão necessitada de apoio quanto a sua.  Ensaiou um  sorriso quando viu o resultado da sua prova, nota máxima. Bem, dessa vez nada poderia dar errado,  a vaga  era sua. Quantas vezes Norma teve que recomeçar?  Dessa vez não teria recomeço. Ela conseguira! A sua dedicação valera a pena, iria prosseguir. Até que...
- É ELA QUE ESTÁ AQUI DE NOVO?!  Feche a porta, rápido! Não a deixe entrar!
-  E o que eu falo?  Eu já disse para ela que estava satisfeito...

                                    ***

Norma ao ser empurrada da escada pela sexta vez, não conseguiu se levantar. Chegou a hora da estrela... sua hora. A escada parecia que movia, talvez na tentativa de protegê-la, mas não adiantou. E corpo chocou-se violentamente no chão.  Aquele ser leve como um passarinho, pela primeira vez, acolhido. O olhar vago e assustado se dirigia   para a parede recém-pintada, pois tantas tintas envelheceram.  Sorriu. E a vida ia passando como um filme... entre o cair e o levantar não teria mais uma norma. Sorriu novamente, acomodou-se melhor, sentia o céu em festa à sua espera, porém, seu último olhar foi para a parede nua.   



                                                                       E. Amorim


*imagem da web, apenas ilustrativa.


Ps:  inspirado no conto " O pecado", de Lima Barreto.

Alguns  comentários de Escritores do Recanto das Letras

             http://www.recantodasletras.com.br/contoscotidianos/5656292

23/06/2016 08:43 - mariabraga  - São Paulo
Tão triste, e o pior sabemos que acontece por ai.As pessoas, julgam muito pela aparência, e deixam de vivenciar seres tão incríveis ,que precisam de palavras de incentivo.Tudo que alguns não conseguem,fazem de tudo para que os outros também não tenham.Dura foi esta existência,bom acreditar que existem outras moradas em outras luas por ai a afora.Amei o texto
22/06/2016 14:26 - Karamazoviski  - São Paulo
A Norma ja deve ter nascida predestina a ser norma a anormal para o tempo!dos ditos normais...
22/06/2016 11:04 - Simplesmente Romântica - Espírito Santo
Muito triste, mas excelente! Meus aplausos!
21/06/2016 21:10 - MVA - São Paulo
Excelente!
20/06/2016 08:40 - Naty Esteves - Portugal
Parabéns querida pelo seu conto que ficou lindo.Obrigada pela sua visita que é sempre bem-vinda.Beijo doce da Naty.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Onde o vento faz a curva (conto)

E. Amorim


De repente Joana percebe que o Dia dos Namorados estava chegando. Ela  não tinha comprado  nada para o seu esposo Mateus. Aliás, fazia um tempinho que deixou o romantismo de lado.  Ele sempre trazia um mimo para agradá-la, seja um chocolate, uma flor amarela, uma pulseira ( mesmo de camelô),  não passava  em branco aquela data. Desistira de comprar roupa, pois nunca acertava o tamanho. Ela ria do romantismo dele e se desculpava por ter se esquecido daquele dia...
  Mateus ia percebendo o quanto Joana havia mudado após os 15 anos de casamento, chegada dos filhos... E ele começa a pensar onde havia falhado. Nunca passara um Dia dos Namorados sem se lembrar da sua companheira.  No entanto, ela cada ano parecia mais distante. E lembrar que o Dia dos Namorados estava na porta, amanhã! Como ela poderia se esquecer do dia em que se conheceram? Como  se esquecer do dia em que se casaram? A data para ele era muito mais que Dia dos Namorados... 15  anos!
O dia nasce brilhante,  e Joana ao acordar pensa:
_ Aposto que não demora Mateus sair e voltar com um chocolate, ele não percebeu que estou fazendo dieta! Só espero que ele não invente comprar roupas com números maiores que o meu...
Mateus acorda tranquilamente, diz algo sobre a aparência de Joana e se levanta sem se aproximar para  fazer nenhum carinho habitual. E após o café da manhã ele sai.  Só que não voltou na hora do almoço, ligou dando uma desculpa qualquer. Ao escurecer ele chega,  e de mãos vazias.  Sem chocolate, sem flor, sem nenhum mimo para sua esposa. E mais uma vez, fala algo sobre a aparência da esposa.
Joana olhou assustada para o esposo naquela manhã. Agora ela estava totalmente indignada,  pensa em perguntar  se não havia se esquecido de algo. Mas como cobrar se ela estava em dívida?  De repente,  Joana passou a sentir falta do chocolate, das blusas folgadas, da flor, das pulseiras, até do sexo desvairado... E começa a observar todos os passos de  Mateus.  E percebeu que ele fez exatamente o que ela vinha fazendo há um tempinho.  Era o fim! Era o fim!
Não! Joana sabia onde estava o erro. E não pensou duas vezes para corrigi-lo. Não queria alimentar nenhum orgulho e perder o seu amor.  Percebeu que ele estava com cheiro de flores, não queria pensar onde ele arranjou aquele perfume para não perder a coragem.  Antes que seu esposo fosse para a cama, ela segura a sua mão, convida-o para acompanhá-la rapidinho, pois tinha algo para ele.
_ Vamos, levante-se Mateus! Vamos ali...
Ele tentou resistir com um “estou cansado” tão habitual... Mas, Joana não deu tempo,  foi logo arrastando  o seu esposo era agora ou nunca... Ele ainda questionou...
_ Sair agora? Para onde?
E Joana sorrindo diz:
_Onde o vento faz a curva...
Ele gargalhou feliz.  Sabia que “onde o vento faz a curva” era o local dos apaixonados. E uma noite de amor estava chegando... Lá na areia da praia havia um colchão de flores amarelas  à espera de Joana, mas isso ele não falaria para não estragar a surpresa.


  

Literatura de mainha 6 - Afirmação de identidades

 Mais um vídeo para você prestigiar.  Textos básicos; O sapo - Rubem Alves O sapo que não virou príncipe - Elisabeth Amorim