domingo, 29 de maio de 2016

Três Dias de Chuva (opinião)

                     

Falar  da peça teatral “ Três dias de chuva”,  em cartaz  no Teatro Jorge Amado( Pituba) nos dias  28 e 29 de maio, ou seja,  ontem e hoje, é mergulhar numa cultura restrita a poucos.  Infelizmente, a grande massa continua distante do teatro, porque é um lazer cultural caro no Brasil. No entanto, é  sair satisfeita por ter assistido a um excelente espetáculo, dirigido por Jô Soares e  encenado pelos artistas globais:  Otávio Martins, Carolina Ferraz e Fernando Pavão.
Dividida em dois atos, sendo o segundo, determinante para entender os problemas familiares abordados no primeiro. Por quê? O primeiro ato se passa em 1995 quando dois irmãos  se encontram após quase um ano , desde o falecimento do pai.  Anna e Walker (Carolina Ferraz e Otávio Martins) na verdade se desencontram com reencontro, porque as críticas  e as cobranças acontecem de ambos os lados.  Nenhum dos dois estavam dispostos a correção, apenas queriam saber sobre o testamento do pai. Apesar da imensa fortuna deixada, Walker voltou para reivindicar uma casa. Durante a discussão sobre a partilha de bens entre os dois irmãos, surge o amigo da família, Pip ( Fernando Pavão), filho de Theo,  falecido sócio de Ned (pai de Anna e Walker).
E  no desenrolar das cobranças e ressentimentos,  Walker revela para sua irmã que havia encontrado um diário do pai e começa a fazer críticas sobre as anotações registradas.  Ainda mais que os registros eram com frases curtas tipo: “ dia tal: choveu hoje”,  “dia tal: choveu hoje”,  “dia tal: choveu hoje novamente!” Para o jovem rebelde, que não se prendia as convenções sociais, aquelas anotações eram um código secreto, para esconder algo “condenável” no passado.  Qual o interesse alguém tinha ao registrar de forma tão mecânica sobre  três dias de chuva?
E em busca de pistas, porém, carregado de suposições maldosas e preconceituosas, o jovem começa a leitura do diário  para tentar descobrir o que havia por trás dos três dias de chuva. Já a irmã, não gostaria que mexesse no passado dos pais... Isso no dia da leitura do testamento. E   uma grande surpresa  acontece no escritório do advogado.
Já o segundo ato se passa em 1969  e mostra a relação entre os sócios Ned e Theo, pais de Anna,  Walker e Pip, antes do nascimento de seus filhos.  Os filhos do primeiro ato, dessa vez interpretam os pais. Como disse é o grande mote da peça teatral, determinante para entendê-la.  Escrita por  Richard Greenberg, produção de Ed Júlio e dirigida por Jô Soares, “Três dias de chuva” sacode os conceitos sobre as relações familiares, obrigando a repensar sobre as deduções  e julgamentos precipitados e tendenciosos.
Quantas vezes tornamo-nos críticos de uma situação apenas pelo nosso olhar?  Julgamos, deduzimos e condenamos sem conhecimento de causa, numa tradicional e arbitrária “fazer justiça!”  E a peça teatral é essa bela surpresa, porque na maioria das vezes só observamos pela nossa lente, nossos (pre)conceitos sobre ética e valores, sem jamais trocarmos de lugar com o acusado.  E em nome do politicamente correto, apontamos o dedo em direção contrária a nossa, mas se olhássemos atentamente para toda  mão, talvez,  envergonharíamos de  mostrá-la, ainda mais apontar o dedo para alguém.  E os “três dias de chuva” é finalmente desvendado e, confesso, foi muito bom passar a chuva pegando uma carona no guarda-chuva desses talentosos artistas.

 Elisabeth Amorim (Escritora baiana e Mestra em Crítica Cultural\ UNEB)


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