Naquele pomar público tinha uma
laranjeira que chamava atenção.
Diferente das demais árvores frutíferas, a laranjeira era a mais
visitada, mesmo carregada de espinhos, os transeuntes não conseguiam ficar longe
daqueles saborosos frutos. As pessoas usavam o pomar para as caminhadas
diárias, as laranjas gostavam de ser úteis.
Em
período de São João cada morador almejava levar um cesto de laranjas para casa, mas pensando no bem comum, uma lei foi criada para preservação do pomar: poderiam desfrutar de qualquer fruta, mas era proibido levar para casa. Ninguém sabia que uma laranja daquele pomar nasceu diferente, ela conversava com a
sua mãe laranjeira, mãe e filha
dialogavam e se entendiam muito bem a língua das laranjas. E a Laranja
falante já ouviu tanta coisa podre...
A Laranja sapeca como sua mãe
costumava chamá-la estava inquieta, pois com a proximidade das festas juninas, pessoas "fora da lei" apareciam e descumpriam o escrito. Laranja Falante percebeu a
presença de intrusos no pomar, e de imediato ela dá o alerta para sua mãe
Laranjeira:
- Mamãe, está percebendo aqueles
homens de gravatas andando por aqui?
- Sim, filhinha! O que será que eles
querem? Não vieram fazer caminhada, pois olhe para as roupas inadequadas...
- Não sei... Mas vou ficar atenta
para saber quem são...
- Fique mesmo. Não se mostre muito, pois toda vez que vem
levar meus filhos eu escondo você entre os espinhos... Se te levarem, com que
conversarei?
- Tomarei cuidado, mamãe.
E os homens se aproximaram da
laranjeira, olha aqui e olha acolá. E de repente um fala:
- Dizem que as laranjas desse pé são as mais saborosas do
mundo... O povo da região faz questão de
parar aqui para saboreá-la.
E o outro homem de gravata, responde
sorrindo:
- Já pensou essa laranjeira no nosso
congresso? As visitas iriam triplicar...
e nós seríamos beneficiados.
- Então vamos arrancá-la daqui. Agora será nossa a laranjeira mais doce do
mundo. Deve ser verdade, mesmo... não fica uma laranja nela, todos querem prová-la.
_Companheiros, essa laranjeira é do povo! Não podemos arrancá-la.
- Bem está vendo que o nosso companheiro calouro não sabe que do povo somos representantes legítimos... se é do povo é nosso!
- Quando esse pomar tiver vazio, iremos
mandar arrancar essa laranjeira. Ela tem
que ser nossa... Vamos deixar escurecer... agora vamos saindo para ninguém
desconfiar da gente.
Os homens de gravata saíram,
Laranjeira e Laranja Falante ficaram preocupadas. O quê fazer? Não tinha jeito, esperar anoitecer para ser
transportada... Agora os furtos seriam apenas daqueles homens.
Assim que os homens saíram, com menos de
trinta minutos um deles volta sozinho. E aproxima-se de Laranjeira e diz:
-Eles pensam que sou besta? Não vou
deixar escurecer. Já dei ordem para fechar o pomar para visitação e agora essa
laranjeira será só minha. Vou levar para minha fazenda.
Laranjeira e Laranja Falante ficaram
apavoradas. Ir para o congresso era uma coisa, porque lá era um local público, mas ir para a
fazenda de um deles... era demais. Laranjeira disse para sua filha:
-Filha, agora é hora de agir! Mostre o quanto você é sapeca...
Laranja Falante que estava escondida,
começa a se balançar na frente do homem de gravata. Na hora ele agarrou-a e
começou a descascá-la, finalmente iria comprovar se a laranja era doce mesmo.
Só que Laranja Falante antes dele terminar a sua ação, escapuliu da mão e
saiu rolando... O homem de gravata só de
pensar no lucro que teria com aquela laranjeira ficou maluco correndo atrás da
laranja ladeira abaixo, que para ele a fruta tinha pernas, braços, olhos. Quanto mais ele tentava
correr, mas Laranja
Falante desaparecia dançando no meio do pomar... E nessa corrida o homem de gravata se
choca com outro companheiro de gravata que teve a mesma ideia que ele.
Entre Insultos, delações, brigas e murros nem perceberam que anoiteceu e
novos homens de gravatas chegaram. Alguns disfarçados com máscaras,
provavelmente com ideias mirabolantes para se apropriarem indevidamente da laranjeira. Enquanto o bate-boca e acusações continuam, Laranja
Falante dá uma volta no pomar e retorna para perto da sua mãe:
-Mãe, quem são aqueles homens? Por
que brigam tanto para ficar conosco?
A mãe sorrindo responde:
-Filha, não é por causa da gente que
eles brigam. Mas do lucro que proporcionaremos a eles.
-E agora, o que faremos? Se eles arrancarem a gente daqui...
-Apodreceremos nas mãos deles, minha filha. Apodreceremos.
-Mamãe, podres não serviremos para nada...eles vão nos matar?
-Filha, um bem público ao se tornar privado ilegalmente, perde a serventia e já está morto..
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