sábado, 27 de maio de 2017

Laranja Falante ( conto desmontado)

                             


Naquele pomar público tinha uma laranjeira que chamava atenção.  Diferente das demais árvores frutíferas, a laranjeira era a mais visitada, mesmo carregada de espinhos, os transeuntes não conseguiam ficar longe daqueles saborosos frutos. As pessoas usavam o pomar para as caminhadas diárias, as laranjas gostavam de ser úteis.
  Em período de São João cada morador almejava levar um cesto de laranjas para casa, mas pensando no bem comum, uma lei foi criada para preservação do pomar: poderiam desfrutar de qualquer fruta, mas era proibido levar para casa.  Ninguém sabia que uma laranja daquele pomar nasceu diferente, ela conversava com a sua mãe laranjeira,  mãe e filha dialogavam e se entendiam muito bem a língua das laranjas. E a Laranja falante já ouviu tanta coisa podre...
A Laranja sapeca como sua mãe costumava chamá-la estava inquieta, pois  com a proximidade das festas juninas,  pessoas "fora da lei" apareciam e descumpriam o escrito.   Laranja Falante percebeu a presença de intrusos no pomar, e de imediato ela dá o alerta para sua mãe Laranjeira:
- Mamãe, está percebendo aqueles homens de gravatas andando por aqui?
- Sim, filhinha! O que será que eles querem? Não vieram fazer caminhada, pois olhe para as roupas inadequadas...
- Não sei... Mas vou ficar atenta para saber quem são...
- Fique mesmo.  Não se mostre muito, pois toda vez que vem levar meus filhos eu escondo você entre os espinhos... Se te levarem, com que conversarei?
- Tomarei cuidado,  mamãe.
E os homens se aproximaram da laranjeira, olha aqui e olha acolá. E de repente um fala:
- Dizem que  as laranjas desse pé são as mais saborosas do mundo... O povo  da região faz questão de parar aqui para saboreá-la.
E o outro homem de gravata, responde sorrindo:
- Já pensou essa laranjeira no nosso congresso?  As visitas iriam triplicar... e nós seríamos beneficiados.
- Então vamos arrancá-la daqui.  Agora será nossa a laranjeira mais doce do mundo. Deve ser verdade, mesmo... não fica uma laranja nela, todos querem prová-la.
_Companheiros, essa laranjeira é do povo! Não podemos arrancá-la.
- Bem está vendo que o nosso companheiro calouro não sabe que do povo somos representantes legítimos... se é do povo é nosso!
- Quando esse pomar tiver vazio, iremos mandar arrancar essa laranjeira.  Ela tem que ser nossa... Vamos deixar escurecer... agora vamos saindo para ninguém desconfiar da gente.
Os homens de gravata saíram, Laranjeira e Laranja Falante ficaram preocupadas.  O quê fazer? Não tinha  jeito, esperar anoitecer para ser transportada... Agora os furtos seriam apenas daqueles homens.
 Assim que os homens saíram, com menos de trinta minutos um deles volta sozinho. E aproxima-se de Laranjeira e diz:
-Eles pensam que sou besta? Não vou deixar escurecer. Já dei ordem para fechar o pomar para visitação e agora essa laranjeira será só minha. Vou levar para minha fazenda.
Laranjeira e Laranja Falante ficaram apavoradas. Ir para o congresso era uma coisa, porque  lá era um local público, mas ir para a fazenda de um deles... era demais. Laranjeira disse para sua filha:
-Filha, agora é hora de agir!  Mostre o quanto você é sapeca...
Laranja Falante que estava escondida, começa a se balançar na frente do homem de gravata. Na hora ele agarrou-a e começou a descascá-la, finalmente iria comprovar se a laranja era doce mesmo. Só que Laranja Falante antes dele terminar a sua ação, escapuliu da mão e saiu rolando...  O homem de gravata só de pensar no lucro que teria com aquela laranjeira ficou maluco correndo atrás da laranja ladeira abaixo, que para ele a fruta tinha  pernas, braços, olhos. Quanto mais ele tentava correr, mas Laranja Falante desaparecia dançando no meio do pomar... E nessa corrida o homem de gravata se choca com outro companheiro de gravata que teve a mesma ideia que ele.
Entre Insultos, delações, brigas e murros  nem perceberam que anoiteceu e novos homens de gravatas chegaram. Alguns disfarçados com máscaras, provavelmente com ideias mirabolantes   para se apropriarem indevidamente da laranjeira.  Enquanto o bate-boca e acusações continuam, Laranja Falante dá uma volta no pomar e retorna para perto da sua mãe:
-Mãe, quem são aqueles homens? Por que brigam tanto para ficar conosco?
A mãe sorrindo responde:
-Filha, não é por causa da gente que eles brigam. Mas do lucro que proporcionaremos a eles.
-E agora, o que faremos? Se eles arrancarem a gente daqui...  
-Apodreceremos nas mãos deles, minha filha. Apodreceremos. 
-Mamãe, podres não serviremos para nada...eles vão nos matar?
-Filha, um bem público ao se tornar privado ilegalmente, perde a serventia e já está morto.. 






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