terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Samba e suor ( conto)


Era  noite de lua cheia, época da escravidão. Da casa grande o Coronel Viramundo observava a grande roda de seus escravos no terreiro.  No entanto seu olhar se perdia nos movimentos de Lindinha.  A filha de  uma das escravas, tornou-se aquele mulherão! Tal mãe, tal filha! Sorriu.
Na verdade, o “mulherão”  era uma jovem que estava comemorando o seu aniversário de 17 anos.  Pele  escura, seios fartos, coxas roliças, cabelos ondulados e longos, olhos graúdos e esverdeados mostrando claramente, a mistura étnica...  parecia que havia uma mola na cintura da jovem. Sambava na grande roda, gargalhando das brincadeiras dos companheiros.   Ao tentar sair, logo era abraçada e devolvida ao centro.  Maria Linda  estava radiante naquela noite.
A sua felicidade era contagiante. O coronel Viramundo de repente começou a sentir a necessidade de se aproximar de Lindinha.  Queria também ser abraçado por aquela menina-mulher que exalava vitalidade. Olhava ao redor, via o seu império construído, mas vazio, sem risos, sem barulho. As pessoas pareciam que voavam em sua presença para não incomodá-lo. Até a sua esposa, Sinha Alma,  nenhuma emoção esboçou quando foi avisada há mais de um ano que ela mudaria de  quarto,  pois a partir daquela data ele gostaria de ficar sozinho.  Quando precisasse, ele  a procuraria... Sinha Alma aguardava a vontade do coronel.
Coronel Viramundo sentia que o seu corpo pedia aquela menina-mulher... Teria que fazer algo. E fez, através  de outro escravo de casa, descobre se tratar de uma festa de aniversário...  manda uma boa quantidade de bebida para os escravos, mas pede a presença da aniversariante na casa grande.
Maria Linda chega até Viramundo :
_O Sr. coronel precisa de mim?
Ao vê-la de perto  ela fazia jus ao nome, belíssima. Como aquela menina crescera rápido! Observa a  blusa branca na pele negra, sente que estava ofegante, via os fartos seios desenhados e molhados de suor...
_Sim, quero que dance da mesma forma que estava dançando lá no terreiro! Sambe só para mim!
_ Sam...bar?! Senhor. Sambar?!
Sambe, agora! Dê-me o seu melhor  sorriso!  Beba isso! Você não quer que eu vá lá fora e acabe com a sua  gente no tronco?!


Era uma ordem estranha, mas Lindinha era escrava, devia-lhe obediência... Sua mãe trazia marcas de queimaduras pelo corpo ao tentar resistir aos caprichos do outro coronel, pai de Viramundo... E passa a sambar, inicialmente tímida. Depois, após a bebida,  solta-se na dança  sensual. E o coronel não resistiu... Mais tarde ele diria que a culpa era dela que o seduziu com uma dança!
Viramundo rodopiou o mundo nos braços de Lindinha. Do submundo que ele a conduziu, era  samba e suor...  Ela ainda tinha que aguentar as piadas das outras escravas que passaram pelos mesmos dramas patronais: Que negrinha assanhada!
Até hoje, Linda, mesmo com uma  alforria debaixo do braço, luta para combater os estereótipos e preconceitos contra a mulher negra. Conseguiu  grandes vitórias:  sair da senzala, ir para a escola, entrar na política, escrever livros, trabalhar no serviço público,  ir para a televisão... mesmo em cotas,  alguns obstáculos foram superados.  Vez ou outra,  sofre discriminação devido a cor da pele.  Não se incomoda, anda de cabeça erguida, porque o tempo de  sambar  para o coronéis  ficou para trás.

                       
                       
                                         Elisabeth Amorim

                                                  Bahia/2014

Imagem 1: Di Cavalcanti, Samba.
Imagem 2: Jean-Auguste Dominique Ingress, Mulher negra.
 

Enviado por Elisabeth Amorim em 10/08/2014
Reeditado em 15/11/2014
Código do texto: T4916831
Classificação de conteúdo: seguro

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Comentários de Escritores Cadastrados no RECANTO DAS LETRAS


16/01/2015 18:52 - EMECÊ GARCIA
Olá, amiga minha! Certamente enquanto mulher-escritora, segues as trilhas de uma Raquel de Queiroz, por emacipação da expressão na liberdade da escrita e, acima de tudo, em teu conterrâneo, Jorge Amado em contos que refletem belamente a realidade baiana. Este conto, por exemplo, revela Lindinha como uma emacipada, tal como Evaneide do meu conto. Todavia, o fato de ser negra, nordestina, pobre parece-nos muito pouco, diante a crueldade a sociedade ainda com relação ao ser FÊMEA, MULHER, MÃE, MENINA, ETC.

01/12/2014 21:43 - Edilson Souza (Malgaxe)
É bem verdade que na época da escravidão os ditos coronéis, chefes políticos, tinham poder de vida e morte sobre os seus escravos e família, e o que faltava para que aquele estado de coisas acabasse? Uma oposição aos coronéis, ela foi feita e foi suficiente para acabar com a escravidão. Hoje, evidentemente esta oposição tem outro foco, a discriminação racial, outro foco, mas o mesmo problema que fez a demora para a libertação, a desunião. Desculpem, mas há negros omissos, há negros incrédulos de que sua raça continua sofrendo, há negros satisfeitos com a discriminação dos próprios negros, por estarem num patamar social elevado!

27/11/2014 23:13 - Maria Eugenia Santos
Maravilhoso conto e bem real, ate no dia de hoje temos q se virar com os preconceitos e outras coisas mais... amei ler seu conto fiquei extremamente comovida e emocionada... abraços.

07/11/2014 16:00 - Meire Perola Santos
parabens belissimoooo

12/09/2014 08:41 - Tatiane Oliveira
Que texto lindo,adorei! Meus parabéns e que tenhas um dia de paz Elisabeth.

31/08/2014 16:24 - Manoel de Almeida
Cara escritora e poetisa, seu conto tem pouco de ficção é muito de realidade, da realidade da formação social e da formação do povo (suas origens, sua raça, seus costumes,...) um texto escrito, com certeza, por que conhece e se orgulha das lutas que nosso Brasil travou e tem travado até hoje, enfim, por alguém que conhece a História do Brasil.

18/08/2014 23:20 - cleris dos santos
Muito bom todo conteúdo, parabéns! Obrigado pela visita.

18/08/2014 15:13 - marcosolavo
boa tarde!!! belo escrito. parabéns. e... obrigado pela visita. visite-me, sempre!!! Marcos Olavo.

17/08/2014 09:44 - Fernando A Freire
Uma mulher objeto que escapou mulher. A ela foi negado o saber, porque nasceu com a cor da servidão; porque seu ofício (sua obrigação) era executar as tarefas braçais mais humilhantes da casa dos seus senhores. Uma luta sem ganhos, sem tréguas, sem ter e sem ser - pra sobreviver. Certa patroa mandou quebrar os dentes da bela negrinha, ao perceber que ela despertava o apetite do coronel. Só isso basta para exemplificar que os grandes proprietários se julgavam deuses, com o poder de vida e morte sobre os não-proprietários, seus dependentes. Pior: esse tipo de domínio e convivência chegou aos nossos dias!... Somente, pouco e pouco, essas criaturas escuras - escravas, depois semiescravas - foram se livrando dos seus grilhões. Na verdade, embora muito tarde, algumas vitórias vêm sendo por elas alcançadas. Vê-las - pós alforria - brilhar nas letras, na ciência, na tecnologia, nos afazeres mais dignificantes e concorridos do momento, deixa-nos prazerosos, sim, mas conscientes de que a luta contra o preconceito ainda não acabou. A propósito, pra terminar, quero lembro Joaquim Nabuco: "Não é bastante abolir a escravatura; importa combater a sua causa". Vivemos numa sociedade em que os proprietários continuam distanciados dos não-proprietários. /// Teu conto, pelas verdades que expressa, precisa estar inserido nas páginas de nossa história. Parabéns! (Grato pelo estímulo ao comentar "Vale a pena pensar?"). Grande abraço.

16/08/2014 17:57 - xodózinha
Muito bom poetisa,bjokas

16/08/2014 16:21 - Elisabeth Lorena Alves
Elisabeth, vim retribuir a visita. E acabei encantada com o primor de texto. Amei mesmo. Não ando lendo os colegas e amigos aqui no recanto, por causa da Faculdade, Graduação e Capacitação em um único Curso estão me exaurindo e me tirando os pequenos prazeres. Mas passe lá de vez em quando e corro aqui para apreciar... Só ando lendo à partir dos recados... beijos

16/08/2014 15:51 - Regina Madeira
Querida Elisabeth, e com que propriedade você escreveu esse conto!!!Belíssima e forte obra. Parabéns. Abraços carinhosos. Obrigada pela linda visita.Beijos.

16/08/2014 14:58 - Jorge de Oliveira
Um causo muito bem comntado, minha cara amiga! Gostei muito! Parabéns e um grande abraço.

16/08/2014 14:57 - Carlos Melgaço
Um texto muito bem elaborado. Gostei. Saúde, amor e paz.

15/08/2014 13:59 - Nilma Rosa
Pena que ainda existam preconceitos. Camuflados, mas existentes e alguns nada camuflados. Coronéis, não talvez, mas cidadãos que se dizem de respeito que não respeitam o semelhante. O outro. Que pode não ter a cor da sua pele , mas tem sangue nas veias e é ser humano também. Lindo seu conto. Prossiga e fale. sempre diga a todos. até que não precise dizer mais. Obrigada pela visita. Volte e leia mais. Abraços Nilma Rosa

15/08/2014 00:49 - Edivana
Ah, moça, sensacional sua crítica. Fabulosa. O mundo ainda vive os dramas de Maria Linda, e quando que vão acabar? Posso não ter uma resposta, mas enquanto a pergunta existir, é posto que ainda vive, é posto que ainda estamos a combater! Abraços.

14/08/2014 23:23 - SoniaMarinho
Boa noite Elisabeth amei seu conto, um desfecho bem elaborado e um tema apesar da época ainda atual, já que sem coronéis nem samba , mas o preconceito ainda reina entre nós. beijos querida poetisa.

14/08/2014 19:44 - Célia Leal
Parabéns pelo belo conto!! amei muito bom mesmo. abraços

14/08/2014 19:38 - Eemanuel
Lindo e sensível

14/08/2014 17:32 - Inalva Froes
Parabéns Elisabeth! É muito bom conhecer uma escritora com tão alto nível de sensibilidade para a Literatura das Margens. Adorei todos os teus textos. Obrigada pelo generoso comentário.Um abraço.

13/08/2014 21:30 - jey lima valadares
Amiga, belo conto, muitooooooooooooooo mil, bj no teu coração e vamos arrasar rsrsr... bj linda no coração!

13/08/2014 17:55 - Ana Campos
Belo e encantador. Adorei! Abraços

13/08/2014 15:47 - Sandra Flor
Envolvente! Texto que prende a atenção do começo ao fim. Belo! Parabéns!

13/08/2014 12:02 - Miguel Jacó
Boa tarde Elisabeth, seu enredo uniu a ficção a realidade, e redundou em um conto de extrema sensibilidade social e afetiva, nos fazendo rever as cenas horripilantes vivenciadas pelos escravos em um passado não tão distante, mas também nos trazendo aos olhos as benesses conquistadas por este seguimento social nos últimos tempos, parabéns pelo primoroso conto, um forte abraço, MJ.

13/08/2014 11:44 - Zélia Maria Freire
Bom dia Elisabeth: Ainda bem que esse tempo já passou. Parabéns pelo texto. Gostei. um beijo de zélia

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