quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015
Pierrô apaixonado (conto)
Ninguém imaginava que aquele humilde trabalhador rural, pai de um garotinho de 4 anos, morador de uma área pobre daquela cidade pernambucana era um apaixonado por carnaval. Trabalhava duro o ano todo, mas não abria mão da sua fantasia de pierrô, comprada numa liquidação pela sua esposa. Com ela, sentia-se feliz, igual e notado em todos os carnavais.
No carnaval as tristezas eram esquecidas e Pierrô, como sua esposa o chamava, só voltava ao lar na quarta-feira de Cinzas. Com os traços das amarguras que foram deixadas num cantinho durante a folia, após o apagar das luzes a realidade era mais um ano de labuta com a terra infértil para muitos trabalhadores como ele.
Madalena no início se incomodou com o fato de ficar sozinha naquele período festivo, mas depois de quase dez anos juntos, acabou se acostumando. E por mais que os vizinhos tentavam alertá-la sobre os perigos da “curtição” de Pierrô, ela não dava ouvidos. Balançava os ombros e murmurava:
_ Eita povo falador, visse? Pierrô é um santo!
Até que ao vivo por um canal televisivo flagra aquele Pierrô agarrado com uma mascarada. Foi o bastante para o disse-me-disse ser reforçado pela vizinhança:
_Madalena, abra os olhos! Passou na televisão Pierrô com uma mulher… Fique atenta que no jornal das 11h poderá repetir.
E diante das evidências, Madalena fica aperreada. Senta-se em frente a televisão e a cada retrospectiva, gelava ao pensar na tal mulher que estava com o seu Pierrô. E eis na tela, Pierrô pulando, feliz da vida e ao lado dele… a sua Colombina.
Madalena sorriu a valer com aquela cena. E disse:
_Ah, é com ela que ele está me traindo? Tem nada não, gente. É apenas uma fantasia de carnaval.
Muitos não entenderam a reação de Madalena, indignados com a falta de reação da esposa traída, comentavam-se:
_ Não demora a “Madalena arrependida” colocar esse namorador para correr…
Só que para Pierrô o carnaval terminaria mais cedo. E no domingo voltou para casa. Triste, cabisbaixo… E sem conseguir esconder o ocorrido da sua esposa:
_ O quê aconteceu, Pierrô?
Ele totalmente desconsolado diz:
_Madalena, estou apaixonado. Uma Colombina segurou minha mão, depois trocamos uns beijos e aconteceu… Ficarmos juntos dois dias, pensei que ela sentia o mesmo por mim… Ela fugiu, sem deixar nenhuma pista. Fiquei igual um louco procurando-a sem êxito. O carnaval para mim, acabou. Desculpe Madalena, sei que não merecia isso, mas foi mais forte que eu…
Em silêncio Madalena continuava serena. Como se nada tivesse ouvido a confissão do esposo. E ele insiste:
_ E ai, você irá me perdoar? Quem sabe no próximo carnaval eu já tenha esquecido…
E Madalena sem se abalar diz:
_Fica calmo, homem. Vá descansar…enquanto vou à casa de mãe pegar Júnior.
Poucos minutos depois…
_MADALENA! MADALENA!
Madalena sorrindo não ouviu o grito do Galo da Madrugada nem precisou correr atrás dos bonecos gigantes de Olinda. Mas sabia que naquele momento o seu Pierrô estava mais apaixonado pela Colombina.
Enquanto isso Pierrô estava agarrado a fantasia que ficara em cima da cama… E aquela paixão iria além das cinzas de um carnaval.
E. Amorim/2015
* Pablo Picasso, Pierrot, 1918. ( imagem ilustrativa)
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