Lá em casa se tinha
uma festa esperada por todos era o Carnaval. Eu, no frescor dos 10 anos
entendia muito pouco daquela festa. Morávamos em um casebre num local ermo, a diversão era olhar os pássaros, fazer bichos nas
nuvens, sonhar ir para a escola. Mas tem certos sonhos que dependem de outros para serem realizados. Esse último por exemplo, crianças com pés
descalços não tinham acesso.
Até que naquele
carnaval meu pai agiu diferente. Vestiu uma roupa colorida e resolveu ir para o
centro da cidade fazer algum malabarismo para conseguir dinheiro. Quem sabe
assim, poderia comprar o meu tênis e eu
finalmente ir poder estudar na escola que abrira há pouco tempo perto de casa.
Ele passou o dia
inteiro na rua, quando chegou todos nós ficamos em torno dele avaliando quanto
havia conseguido. Pai conta os magros
trocados, eu fico a observar com meu irmão mais novo já pongado em minhas
costas. Apreensiva, minha mãe sem largar o cachimbo, pergunta se houve colheita
naquele dia de carnaval ou teria que esperar um pouco mais.
Ouço meu pai resmungar
algo. Só sei que no final das contas o arrecadado não dava para quase nada, mas
a novidade foi que ele conheceu um senhor,
este prometeu que iria fazer algumas doações de roupas e
sapatos usados. Pronto, meu sonho já se modificou. Já passava a sonhar com os
sapatos ou tênis que aquele homem iria doar... e na torcida para que ele não
esquecesse a promessa de carnaval.
Ele não se
esqueceu. Pediu meu pai que levasse um carro de mão, chamado aqui na roça de galeota,
pois iria esvaziar o guarda-roupa. Umas
três horas depois meu pai voltava suado, empurrando a galeota cheia de
novidades.
Encontrei sim, meu tênis,
não só ele como camisas, calças, bermudas, cintos...
Ufa! Ainda bem que os cintos também
vieram. Finalmente poderia começar a
estudar. Tinha um tênis novo, nem me incomodei com o monte de pedaços de panos
que coloquei dentro dele para não sair do
meu pé... Depois do carnaval... a
escola.
Primeiro dia de aula,
entrei meio envergonhado. Minha leitura
era ainda muito engasgada, aprendi mais de ouvido, só sabia que desenhava bem. E olho admirado para minha professora que
vinha da cidade. Cheirosa, linda, intocável e com
um sapato exato. Com certeza não havia panos ali dentro. A escola me frustrou. Senti que ela não
tinha sido feita para mim. Mas estava decidido que não deixaria ela me expulsar
como fez com muitos meninos pobres que conhecia.
E como
já tinha me preparado... A redação que a professora pediu no primeiro dia de
aula foi sobre o carnaval... E quem não soubesse escrever poderia desenhar. Eu como não sabia exatamente o que ela queria ao referir a festa como mais divertida do
mundo...
Fiz o desenho do
carnaval na minha casa.
Por pouco não fui expulso, pois fui o único
que mostrei a festa da alegria com os meus olhos de esperança.
E. Amorim
*Winslow Homer, O carnaval. (apenas ilustração)
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