sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Promessa de carnaval ( conto)

*

Lá em casa se tinha uma festa esperada por todos era o Carnaval. Eu, no frescor dos 10 anos entendia muito pouco daquela festa. Morávamos em um casebre num local ermo, a diversão era olhar os pássaros, fazer bichos nas nuvens, sonhar ir para a escola. Mas tem certos sonhos que dependem de outros para serem realizados. Esse último por exemplo, crianças com  pés descalços não tinham acesso.

Até que naquele carnaval meu pai agiu diferente. Vestiu uma roupa colorida e resolveu ir para o centro da cidade fazer algum malabarismo para conseguir dinheiro. Quem sabe assim, poderia comprar o meu  tênis e eu finalmente ir poder estudar na escola que abrira há pouco tempo perto de casa.

Ele passou o dia inteiro na rua, quando chegou todos nós ficamos em torno dele avaliando quanto havia conseguido.  Pai conta os magros trocados, eu fico a observar com meu irmão mais novo já pongado em minhas costas. Apreensiva, minha mãe sem largar o cachimbo, pergunta se houve colheita naquele dia de carnaval ou teria que esperar um pouco mais.

Ouço meu pai resmungar algo. Só sei que no final das contas o arrecadado não dava para quase nada, mas a novidade foi que ele conheceu um senhor,  este prometeu que iria fazer algumas doações de roupas e sapatos usados. Pronto, meu sonho já se modificou. Já passava a sonhar com os sapatos ou tênis que aquele homem iria doar... e na torcida para que ele não esquecesse a promessa de carnaval.

 Ele não se esqueceu. Pediu meu pai que levasse um carro de mão, chamado aqui na roça de galeota, pois iria esvaziar o guarda-roupa.  Umas três horas depois meu pai voltava suado, empurrando a galeota cheia de novidades.
Encontrei sim, meu tênis, não só ele como camisas, calças, bermudas, cintos... 

Ufa! Ainda bem que os cintos também vieram.  Finalmente poderia começar a estudar. Tinha um tênis novo, nem me incomodei com o monte de pedaços de panos que  coloquei dentro dele para não sair do meu pé...  Depois do carnaval... a escola.

Primeiro dia de aula, entrei meio envergonhado.  Minha leitura era ainda muito engasgada, aprendi mais de ouvido, só sabia que desenhava bem.  E olho admirado para minha professora que vinha da cidade. Cheirosa, linda, intocável  e com um sapato exato. Com certeza não havia panos ali dentro.   A escola me frustrou. Senti que ela não tinha sido feita para mim. Mas estava decidido que não deixaria ela me expulsar como fez com muitos meninos pobres que conhecia.

  E como já tinha me preparado... A redação que a professora pediu no primeiro dia de aula foi sobre o carnaval... E quem não soubesse escrever poderia desenhar.  Eu como não sabia exatamente o que  ela queria  ao referir a festa como mais divertida do mundo...  
Fiz o desenho do carnaval na minha casa.

 Por pouco não fui expulso, pois fui o único que mostrei a festa da alegria com os meus olhos de esperança.


E. Amorim


*Winslow  Homer,  O carnaval. (apenas ilustração)

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