domingo, 8 de fevereiro de 2015

A Passista (conto)



                        
                               

Era carnaval. Rua colorida pelas fantasias dos foliões que misturavam bebidas,  beijos e dança.  Como um ritual os corpos se encontravam  e  as bocas também, o beijo acontecia. O trio elétrico passava e  os casais se separavam correndo atrás do trio.

Perdi a conta de quantas mulheres beijei naquela tarde quente na grande Salvador. Brancas, negras, loiras, isso porque não alimentava nenhum tipo de preconceito. A mulher tem o dom de despertar a minha atenção. Desde as mais jovens as mais experientes, cada qual em sua fase preserva uma beleza.  E nenhuma reclamou dos meus beijos. Era chegar e pronto. E depois partir atrás do trio, para despistar, pois se ficasse com uma garota... e a minha noiva descobrisse...Ângela pensava que eu estava viajando.

De repente senti que estava sendo observado. Olho para o lado, só não posso dizer que me apaixonei, pois já era apaixonado pela minha noiva. Mas aquela passista... que corpo fenomenal! Pena que ela usava uma máscara que cobria o rosto.  Excitado também queria fazer parte daquele ritual que a passista estipulou. Sério. O quê ela fazia?

Enlouquecia os homens com a sua dança sensual, jogo frenético de pernas e braços, sem soltar uma sombrinha colorida. Um frevo na terra do axé era o suficiente para chamar a atenção de toda galera masculina. Ela queria  o quê? Usando uma saia curtinha, um top, mas os meus olhos não desgrudavam da calcinha vermelha... Aliás, nem sei bem se era vermelha, vinho... A mulher era tão rápida que não dava chance de pensar. E escolhia um observador ao acaso, colocava a sombrinha na frente, como se protegesse dos olhos curiosos, e beijava-o, sem largar a sombrinha nem a máscara.

Quis ser o privilegiado naquela tarde. Pois sempre tomei a iniciativa, mas a passista roubou a cena, invadiu  o cenário e encheu o Campo Grande com a sua presença. Não sei o que deu em mim, queria ser beijado também. Pode parecer bobagem, mas aquela boca linda, com um batom vermelho quis saborear. E parece que os pierrôs e as colombinas de todos os carnavais estavam a  meu favor. A passista me notou na multidão.

Como em sonho ela se aproximou e colou o corpo no meu. Eu tremia, suava, gemia feito um adolescente inexperiente. E aquele beijo sem igual. Susto e prazer se encontraram. Fiquei tão empolgado que ignorei a multidão que vinha  acompanhando o trio,  agarrei-a  pelos cabelos a queria só para mim.  Tinha que me conter, mas ela merecia passar pelo céu e inferno que despertou em mim...  Em êxtase arranquei a máscara.


_ Ângela?! Ângela?!

 E o trio elétrico passou.


                                 E. Amorim\2015



Tela de Cristiane Campos, Meu frevo. (apenas ilustrativa)




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