sábado, 8 de abril de 2017

ELE (conto)



          De repente Ele surgiu. Estávamos vendendo o milagre. Ora, milagre é assim, há quem acredite que ele acontece e esperam com fé, mas há outros que  defendem que o milagre precisa ser comprado,  e como estávamos precisando de dinheiro...
          Ele ficou furioso com o nosso negócio. Ainda mais que não víamos local melhor para realizar as operações que no próprio templo. Não era lá que muitas pessoas iam em busca do milagre? Bastou um olhar para  perceber que não foi um bom negócio escolher aquele local.  Ele chegou derrubando os nossos vidrinhos de água, as fitinhas coloridas, imagens de barro... Tudo foi ao chão.
          Ficávamos horas ouvindo-o falar, emocionando-nos para mais tarde desobedecermos.  Ele falava de amor, doação , respeito, fraternidade, solidariedade, compreensão, virtudes, bondade  entre outras coisas. Nós praticávamos a corrupção. Mas uma das suas falas que me impressionou foi quando Ele disse que se tivéssemos fé do tamanho de um grão de mostarda, poderíamos até ordenar a um monte que mudasse de local e isso aconteceria.  Fiquei com aquilo na mente, envergonhado pelo tamanho da minha fé. Invisível?
          Assim como Ele me impressionou, inquietou outras pessoas. Porque mesmo Ele falando palavras bonitas, muitos passaram a persegui-lo e  atribuir títulos e ambições que  não constavam no seu currículo.  Não tinha jeito, percebi que Ele não iria durar muito. Ele estava incomodando a muitos com os seus milagres. Você acredita que Ele fazia coxo andar, cego enxergar e doente sarar?  Será que Ele era capaz de fazer ladrão parar de roubar? Era a minha dúvida.
            A cegueira maior é difícil ser curada. Não devemos alimentar ódio contra o outro por conta das divergências filosóficas, políticas ou religiosas, cada qual deve seguir a verdade que lhe convém sem propagar violência.
          Ouvia, entendia e praticava o inverso. Descuidei-me  e acabei sendo preso. Não tinha jeito iriam me crucificar para servir de exemplo. Só assim eu deixaria essa vida errante. Pouco tempo, percebi um companheiro de cela. Ele também foi preso.  De repente queira ouvi-lo algumas das suas palavras bonitas, mas Ele permaneceu em silêncio. Talvez, porque estava bastante ferido e  humilhado.
           Surge a hora final. Iríamos para o sacrifício. Eu , Ele e mais  outros tão errantes quanto Eu.  Eu sabia que tinha cometido vários delitos, mas Ele... Qual o crime Ele cometeu? De repente, ouço gritos vindo de lá  fora. Parecia que estava sonhando, mas era real,  um nome sendo aclamado. Uma multidão reivindicava a liberdade de um ladrão...

          Meio a tempestade que desabava sobre nossas cabeças, Ele caminhou tranquilamente sobre as ondas e sentou-se ao lado do seu Pai. Enquanto eu, um Barrabás como tantos outros que existem por aí, ganhei a liberdade,  mas jamais sair da prisão.
                                                 Elisabeth Amorim 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Literatura de mainha 6 - Afirmação de identidades

 Mais um vídeo para você prestigiar.  Textos básicos; O sapo - Rubem Alves O sapo que não virou príncipe - Elisabeth Amorim