sábado, 1 de abril de 2017

Dona Maria (conto)



              Há dias que ela esperava por um sinal, uma resposta, um “sim” ou “não”  de uma editora famosa. Diariamente, abria o email, nenhum toque poético a esperava.  Andava desanimada pela casa. Sabia que não teria mais  jeito, aquela seria a sua última chance, precisava desesperadamente arranjar dinheiro. Como pagar a cirurgia do seu esposo? Era uma batalha dura, ou ela vencia ou ele morreria!
                 Ia até o quarto, começava a orar, no meio da oração desistia, voltava para o início. E aquela ação de ir e vir nunca chegava até o “amém”. Nordestina, burra! Isso era o que ela era. Como poderia querer ser abraçada por alguém? Naquele local ermo só tinha mandacaru, algumas carcaças de animais, e sombras dos gravetos esturricados pela seca.  Não tinha beleza na miséria. Não há beleza na fome. Como notar a sua sede de mudança através daqueles rabiscos?!
               De repente passo achar que todos tinham razão. Aquela mulher era realmente estranha. Dona Maria, era o seu nome. Como muitas marias, ela tinha a “mania de ter fé na vida!”  Por isso, não largava o crucifixo e nem abria mão de um santinho que mantinha rodeado de  velas, lá no quartinho do fundo. Nem o incêndio que houve há algum tempo foi suficiente para diminuir a sua devoção ao São Benedito. Gostava dele, achava que eram íntimos, talvez, pela cor da pele.
              Mesmo naquele local tão improvável,  ela não se desligara do mundo por completo, mantinha seu aparelho de TV, seu notebook, precisou vender algumas cabras, mas precisava manter-se atualizada, conectada. Como iram lhe descobrir se não tivesse conectada?  Ainda mais depois que aquele político conseguiu levar o progresso para lá: uma torre para que o sinal da internet, TV funcionassem bem. Muitos vizinhos, consideravam uma extravagância ter aparelhos em casa com a panela vazia. Eles queriam cisternas, poços artesanais para aguentarem a grande estiagem.  Acho que só Dona Maria comemorou o progresso. Também, aquela mulher era louca...vivia com livros na mão. Nem sabemos como Sinhô Isório conseguia conviver tanto tempo com aquela criatura! Onde se viu?                    Uma mulher escritora!? Ela precisa é de uma trouxa de roupa para lavar!
Indiferente aos mexericos alheios, Dona Maria continuava ajoelhada aos pés do São Benedito. Implorando o sinal. Ela sabia que se vendesse todas os magros cabritos não conseguiriam pagar a cirurgia do seu Isório. Acordava ainda escuro, pegava na enxada, ordenhava, lavava, passava, cuidava da casa... Estava cansada. Há quase um ano que a sua tarefa multiplicou. Isório não podia mais desenvolver as atividades de outrora, e eles não tinham como pagar um trabalhador para ajudar na rocinha. Dona Maria, além das suas tarefas, ganhou extras... Mas, tão preconceituosas eram as pessoas daquele povoado, se ela falasse que seu esposo tinha câncer, correriam deles feito bicho. Infelizmente, muitos pensam que o câncer é como uma lepra... Mantinham o segredo.
                Nos seus raros momentos de folga, corria desesperada para o computador.
                - Tem que ser hoje!  Tem que ser hoje!
              Olhos claros arregalados, Dona Maria lê o convite tão esperado no seu e-mail.  Finalmente chegou! Depois de enviar seus textos para mais de dez editoras, uma respondeu, pedindo com urgência um romance... Achou o prazo curto, três dias! Ela tinha que escrever em três dias! Não dormiu,   até o dia 31 de março para cumprir o prazo.  Abraçou Isório, finalmente ela teria uma chance de ganhar dinheiro e ele uma nova chance de continuar vivo.
             Terminou o romance na última volta do relógio.  Olha assustada, percebe que não daria tempo enviar no prazo solicitado. Com lágrimas nos olhos, observa o calendário marcando 1º. de abril.  Fazer o quê?  Dia da Mentira! Dona Maria rasga nervosa todos os rascunhos... Soluçando, rasgando... espalhou pela casa o seu romance, sua vida em picadinhos, com ele estava junto a vida de seu esposo também. Agora não tinha mais jeito... Foi-se a sua última chance.
               Quando acaba o sonho, perde-se também a vida. Logo, Dona Maria fica viúva. Os vizinhos batiam no ombro como consolo e saiam sem entender a apatia daquela  mulher. Não chorava, mantinha olhar vazio, parecia não enxergar o caixão na sala.   Depois do funeral, todos ouviram um grande barulho na cada de Dona Maria Viúva.
              Dona Maria jogou furiosa o notebook contra a parede. Indiferente a correria que se formou na porta fechada da sua casa, pegou a vassoura e uma pá, recolhe com lágrimas pedaços da sua vida que estavam no chão. Abre a porta mais tarde, ainda conservava um chorinho convulsivo e joga fora os pedaços do aparelho.  Nunca mais foi vista no local.  Quando um representante de uma editora foi pessoalmente procurá-la, nenhum vizinho sabia informar qual a direção que aquela mulher esquisita tomou. Ainda teve quem desse um palpite:
             - Aquela mulher era doida! Escreveu demais... Moço, quando o marido dela morreu ela nem ligou, mas  quando o computador dela quebrou, ela chorou, chorou... e sumiu.    

                                   E. Amorim

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