domingo, 29 de maio de 2016

Três Dias de Chuva (opinião)

                     

Falar  da peça teatral “ Três dias de chuva”,  em cartaz  no Teatro Jorge Amado( Pituba) nos dias  28 e 29 de maio, ou seja,  ontem e hoje, é mergulhar numa cultura restrita a poucos.  Infelizmente, a grande massa continua distante do teatro, porque é um lazer cultural caro no Brasil. No entanto, é  sair satisfeita por ter assistido a um excelente espetáculo, dirigido por Jô Soares e  encenado pelos artistas globais:  Otávio Martins, Carolina Ferraz e Fernando Pavão.
Dividida em dois atos, sendo o segundo, determinante para entender os problemas familiares abordados no primeiro. Por quê? O primeiro ato se passa em 1995 quando dois irmãos  se encontram após quase um ano , desde o falecimento do pai.  Anna e Walker (Carolina Ferraz e Otávio Martins) na verdade se desencontram com reencontro, porque as críticas  e as cobranças acontecem de ambos os lados.  Nenhum dos dois estavam dispostos a correção, apenas queriam saber sobre o testamento do pai. Apesar da imensa fortuna deixada, Walker voltou para reivindicar uma casa. Durante a discussão sobre a partilha de bens entre os dois irmãos, surge o amigo da família, Pip ( Fernando Pavão), filho de Theo,  falecido sócio de Ned (pai de Anna e Walker).
E  no desenrolar das cobranças e ressentimentos,  Walker revela para sua irmã que havia encontrado um diário do pai e começa a fazer críticas sobre as anotações registradas.  Ainda mais que os registros eram com frases curtas tipo: “ dia tal: choveu hoje”,  “dia tal: choveu hoje”,  “dia tal: choveu hoje novamente!” Para o jovem rebelde, que não se prendia as convenções sociais, aquelas anotações eram um código secreto, para esconder algo “condenável” no passado.  Qual o interesse alguém tinha ao registrar de forma tão mecânica sobre  três dias de chuva?
E em busca de pistas, porém, carregado de suposições maldosas e preconceituosas, o jovem começa a leitura do diário  para tentar descobrir o que havia por trás dos três dias de chuva. Já a irmã, não gostaria que mexesse no passado dos pais... Isso no dia da leitura do testamento. E   uma grande surpresa  acontece no escritório do advogado.
Já o segundo ato se passa em 1969  e mostra a relação entre os sócios Ned e Theo, pais de Anna,  Walker e Pip, antes do nascimento de seus filhos.  Os filhos do primeiro ato, dessa vez interpretam os pais. Como disse é o grande mote da peça teatral, determinante para entendê-la.  Escrita por  Richard Greenberg, produção de Ed Júlio e dirigida por Jô Soares, “Três dias de chuva” sacode os conceitos sobre as relações familiares, obrigando a repensar sobre as deduções  e julgamentos precipitados e tendenciosos.
Quantas vezes tornamo-nos críticos de uma situação apenas pelo nosso olhar?  Julgamos, deduzimos e condenamos sem conhecimento de causa, numa tradicional e arbitrária “fazer justiça!”  E a peça teatral é essa bela surpresa, porque na maioria das vezes só observamos pela nossa lente, nossos (pre)conceitos sobre ética e valores, sem jamais trocarmos de lugar com o acusado.  E em nome do politicamente correto, apontamos o dedo em direção contrária a nossa, mas se olhássemos atentamente para toda  mão, talvez,  envergonharíamos de  mostrá-la, ainda mais apontar o dedo para alguém.  E os “três dias de chuva” é finalmente desvendado e, confesso, foi muito bom passar a chuva pegando uma carona no guarda-chuva desses talentosos artistas.

 Elisabeth Amorim (Escritora baiana e Mestra em Crítica Cultural\ UNEB)


domingo, 22 de maio de 2016

Vasos moldados ( mensagem educação)


*

O trabalho do oleiro é realmente fascinante, apropria de um barro qualquer, vai modelando, criando formas e transformando a matéria morta em algo vivo, útil e bonito. Com paciência, determinação e muita força de vontade o oleiro atinge o seu objetivo criando  vasos exatamente como ele imaginou.
É um processo de persistência. Quantas vezes o barro parece não atender as expectativas depositadas e o vaso em construção se rompe antes de ganhar a forma ideal?  E novamente, o trabalho se reinicia e novas esperanças são depositadas naquele barro...
Uso o oleiro para fazer analogia com a sala de aula. Quantos estudantes não conseguem atender as expectativas de escola, professores, colegas, pais? E quais desses seguimentos agem como o oleiro?  Muitas vezes os estudantes são entregues a própria sorte, sem nenhum investimento naquela “massa bruta” que não  entrou num molde para atender algumas convenções. E o resultado fatal  é a reprovação.
Indo além, o que somos senão um monte de vasos imperfeitos? Temos as nossas rachaduras, sim. E nem por isso fomos reprovados como pai, mãe, irmão, irmã, professor, professora, advogado, advogada, médico, médica, sobrinho, sobrinha, amigo, amiga, primo, prima, tio, tia enfim...seja no ambiente familiar ou no campo profissional, se olharmos ao  espelho perceberemos as nossas falhas. E o que fazemos? Cobramos dos outros a perfeição.

É bíblica a mensagem para não apontar o cisco do olho do irmão quando se tem uma trave no próprio olho. Enxergamos os mínimos defeitos nos outros porque achamos que somos vasos perfeitos, no entanto, no dia em que nos encherem de água, perceberão as nossas fissuras.
Se o  oleiro não desistiu de criar vasos perfeitos, por que desistiremos? Primeiro investimento é pessoal.

                      E. Amorim

* imagem livre da web 

sábado, 21 de maio de 2016

O bote fatal (microconto)


                                                                 
 Certa vez  uma cobra gigante descobre que sentia frio. Tentou pedir abrigo aos animais na floresta,  mas todos fugiram amedrontados, temendo o seu veneno mortífero.   Descobriu que não tinha amigos para aquecê-la no inverno. Solitária, a cobra começou a se enrolar, enrolar, enrolar...  sentiu-se tão quentinha, imaginou-se abraçada... deu o bote! Morreu enrolada.

                                      Elisabeth Amorim

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Mensagem do abraço

*

Senhor Deus,
Não deixe que o egoísmo  cruze nossos braços
A ponto de negarmos  um abraço,
Um abraço,   
Para aquelas pessoas  que tem tão pouco,
Um abraço,  
para quem desistiu de acreditar no ser humano,
Um abraço.
 para quem nunca te conheceu,
Um abraço,
 para aqueles que escolheram  ser pedras nos caminhos alheios,
Um abraço,
 para quem nunca conseguiu sair da escuridão,
Porque este  abraço poderá preencher vazios,
Este  abraço poderá brotar a esperança,
Com um abraço cada pedra poderá ser lapidada,
Um abraço ilumina vidas, divide as conquistas,  dores, alegrias...
Um abraço...

Capaz de transformar
E salvar o homem
de si mesmo.

                                             Eamorim


*imagem do google

domingo, 15 de maio de 2016

Palavras ao vento...

               

         Era uma vez  uma menina simples, morava numa casa simples, pertencia uma família simples, mas chocou seus pais quando  decidiu  conversar com as palavras.  Todo tempo livre daquela garota,  ela se dedicava a dar um novo sentido aquela vida simples através das palavras.
E não é que essa atitude da menina incomodou o seu irmão? De repente ele enviou um monte de palavras feias para sua caixa de mensagens.  A menina não fazia mal a ninguém, como podia ser agredida por gostar de conversar com as palavras?  As pessoas não a entendiam, mas as palavras, sim.
        Então a menina tomou uma decisão.  Cada palavra feia que recebia,  dava um banho, para em seguida  colocá-la no varal para secá-la.  Para essa atividade, ela  pediu ao seu irmão para segurar a vasilha  cheia de palavras feias... 
O irmão da menina ficou muito constrangido ao segurar tantas palavras feias, sendo que a primeira foi ele quem a colocou ali.  Inabalável, a menina continuava a lavar  palavras, sempre conversando com elas  e pendurá-las  no varal.  
O inesperável aconteceu! Veio um vento forte e palavras feias  iam se transformando em palavras bonitas e espalhadas ao vento.
     E não é que algumas palavras da menina simples voaram, voaram e voaram? Algumas palavras bonitas caíram  em locais montanhosos, como não havia ninguém para recolhê-las elas se perderam entre as  pedras. Outras palavras bonitas caíram no mar... molhadas foram carregadas pelas ondas e se desmancharam devido a fragilidade do papel.  Mas outras palavras bonitas foram além das montanhas e mares e caíram  em Moscou.
      As palavras bonitas que escaparam do varal da menina simples dançaram e cantaram em Moscou.  Rodopiavam toda a Rússia de um canto a outro. Palavras  bonitas são mágicas, iam contagiando moradores onde elas caíam. Tanto os mais ricos aos mais pobres abraçavam  as palavras bonitas e vida ficava mais feliz.
E a menininha?  Ela ficou no Brasil a espera de novos ventos fortes...  e continuou os banhos nas palavras feias...  Agora com um incentivo a mais, pois em conversa particular com as palavras  INVEJA  e  ÓDIO  que  seriam transformadas em DETERMINAÇÃO e  LUZ , ela sabia que  as duas iam muito além.  E   do jeito  que determinação age de braços dados com a luz, não seria surpresa se ela pousasse no meio do Teatro Bolshoi  iluminando a todos, só para matar de vez a inveja  de ódio ou vice-versa.
                                                  Elisabeth Amorim.

                                      

A menina que morava nos livros

*

Grace era uma criança como outra qualquer. Brincava, estudava, assistia televisão,  passeava como toda a criança da sua idade.  Aos 10 anos, Grace era bem inteligente para a sua idade.  O que ninguém imaginava era que Grace tinha um segredo: construiu um castelo dentro do livro.
No seu quarto ela tinha uma quantidade enorme de livros, pois ela passou a dormir na antiga biblioteca da casa e com muita imaginação, Grace toda noite recolhia-os  fazendo deles seu castelo, entrava para  viver a sua fantasia.  Brincava sozinha com os personagens  encontrados: príncipes, princesas, gatinhos, sapos encantados, bruxas e muitos duendes.  Quando sentia sono, Grace voltava para sua cama, desfazia do castelo para que ninguém descobrisse onde e como era o seu doce lar.
No entanto, cada vez mais Grace percebia que o seu mundo era melhor que o mundo lá fora. O mundo dos adultos tinha coisas que ela não queria participar: inveja, briga, corrupção, violência, traição... Não! A sua casa era melhor! As bruxas más não tinham tantos poderes como elas pensavam! Logo aparecia alguém do bem para livrar das armações das bruxas maldosas e feias.  Grace adorava cada história que acontecia dentro da sua casa, pois o mal tinha prazo de validade. O bem vencia e o “felizes para sempre” era o mais esperado.
 Quanto mais Grace descobria como era o mundo dos adultos, mais tempo ela ficava em seu livro sem nenhuma vontade de abandonar seus amigos.  Familiarizada com as fadas madrinhas, estava sempre de bem com a vida, pois as fadas estavam em seu caminho e as bruxas más corriam. A garotinha viajava o mundo: Estados Unidos,  Canadá, Moscou, Itália, Argentina, França, Portugal... chegava ao Brasil.  Corria para sua cama e dormia feliz.
Até que a mãe de Grace foi percebendo a mudança da garota e passou a segui-la. E quando viu que ela trancou o quarto, deu um tempinho, depois foi em busca da chave extra. E o que viu deixou-a deslumbrada. O quarto estava com livros espalhados no chão e num cantinho dormindo, com vários livros em cima estava Grace, vestida com uma roupa de princesa.
 A mãe de Grace olhava comovida aquela cena.  Deu um beijinho na sua filha e saiu lentamente, na esperança de  que ela permanecesse morando no castelo por muitos e muitos anos.  Pois enquanto a garotinha graciosa continuasse lá,  estava sendo poupada de viver em um  mundo  com príncipes e princesas em vias de extinção por conta da invasão dos sapos.

   

           Elisabeth Amorim, A menina que morava nos livros, conto/ 2016.

* imagem da web.

sábado, 14 de maio de 2016

Literatura em rede (microconto)


O que acontece quando a  menina se transforma em mulher independente e não aceita mais ficar em segundo plano na vida do seu parceiro?

            Veja a arte literária de Estudantes do Ensino Médio.
                     
                                   Menina Mulher



Literatura em rede ( cordel)

                               E  espalhamos a literatura até na igreja e promovemos o desmonte literário!

                                Ai se sêsse... ( Zé da Luz) 


                         Interpretação de Lucas Amorim

Literatura em rede...(infantil)

                                                         Dendê

              O peixinho que tentou fugir dos estereótipos...

                  adaptação do infantil, "Dendê", de E. Amorim.

Literatura em rede...( poesia)

Adaptação da poesia:

                                        Carpe Diem



sexta-feira, 13 de maio de 2016

A mulher e as portas ( crônica)

*

Sem essa de coitadinha, frágil, delicada... Mulher é sim, uma criatura bem forte.  Acredito que a força e a determinação residem nas mulheres, independente da cor, religião ou  condição social.  Em todas as épocas  as mulheres silenciosamente  ou silenciadas brigaram para o não apagamento da espécie.  Uma briga desleal, injusta onde forças físicas contrárias se enfrentavam.  E para serem mulheres notáveis que muitas hoje são,  houve muitos arrombamentos  de portas.
E não  quero falar das ondas feministas, perseguições,  sufrágio... de uma época, quando tão atual as violências se repetem de diferentes formas.   Mas, direcionar esses rabiscos para as arrombadoras de portas, como as mulheres que ousaram a  penetrar num território que era tipicamente  masculino,  pelo menos assim era visto o mundo literário.
 Escrever não era uma tarefa  destinada àquelas que tinham que aprender bordar, cozinhar, tocar piano, cuidar das prendas domésticas  e  afastadas do espaço público. Citar nomes, talvez, seria  até uma injustiça porque sabemos daqueles  nomes que de alguma forma,  as universidades abraçaram as pesquisas.  E as outras que não tiveram  esse abraço?  Continuam seus textos nos velhos baús ou nas teias das redes sociais.
Que a mulher escreve desde  o período em que a escrita era apenas acessível  ao homem livre, clero,  isso  é fato.  Não foi por acaso que muitas mulheres por conta  dos “rabiscos” , foram trancafiadas, amordaçadas, como loucas para não subverterem a ordem social.  Mulheres tiveram que aceitar ( provisoriamente)  a “Vida Maria” do sistema, onde  leitura não fazia parte das prendas domésticas.  
Imaginem a batalha travada,  o percurso percorrido pelas primeiras mulheres que ousaram publicar seus textos?  Elas arrombaram as portas!  Até hoje é muito difícil encontrar a porta aberta para quem inova e subverte a ordem.   Por isso que é bem mais fácil e cômodo  viver na mediocridade, mesmice.  Porque viver acima da mediocridade é  preciso se destacar na multidão, e a mulher que se destaca é cassada...
   Resta-nos  repetir aquele grito saindo das entranhas de Simone de Beauvoir   “Não se nasce mulher, torna-se!”
Torna-se mulher para lavar as louças sujas do almoço, janta e café da manhã ?
Torna-se mulher para cuidar da casa, esposo, e das crianças, enfrentar as batalhas duplas de trabalho, nos espaços privado e público?
Torna-se  mulher para satisfazer o seu parceiro na cama, mesmo quando a satisfação pessoal  é para o segundo plano?
Torna-se mulher para arrombar as portas que estão trancadas para ela?  
  E se por ventura o espaço conquistado com muito suor e lágrimas for ameaçado?  E se  passarem a rasteira querendo o  lugar da mulher?
Torna-se mulher ...  sempre. 
 Levante-se!  Às vezes,  arrasada pelo tombo levado... mas segue adiante em busca de outras portas para serem novamente arrombadas,  porque  a participação da mulher na literatura não tem corrupção que apague.


                                  E. Amorim




* imagem livre da web, apenas ilustração.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Obrigada, Rubem Alves!


Hoje quero homenagear esse grande professor mineiro, de Boa Esperança,  chamado Rubem Azevedo Alves (1933-2014), teólogo, tradutor, pedagogo e escritor brasileiro. Morreu discretamente, sem os holofotes da mídia,  deixando um legado para os profissionais da educação.  Este espaço é pequeno para sintetizar as suas contribuições, mas, percebi esse débito com esse professor-escritor, por isso essa página. Peço licença aos meus leitores, ávidos pela literatura baiana, mas que tal um mergulho na fonte cristalina de Rubem Alves?
Primeiro texto que trago a tona é “Política e Jardinagem”, numa inspiração soberba, Rubem Alves mostra a distinção e o compromisso de cada elemento desses setores, que se unem quando colocam o amor e o bem da coletividade acima dos desejos pessoais. Ao fazer alusão ao papel do escritor na vida política de uma sociedade, diz: “O escritor tem amor mas não tem poder. Mas o político tem. Um político por vocação é um poeta forte: ele tem o poder de transformar poemas sobre jardins em jardins de verdade.”
Quanta sabedoria!  Rubem Alves diz que a literatura poderá modificar uma cidade, dependendo da vontade política. Ao comparar o político com jardineiro é porque o investimento literário se volta como flores e todos ganham: comércio, turismo, cultura, educação... Alguém se lembra de Ilhéus sem a marca de Jorge Amado?  Geralmente, nem conhecemos a historia de vida do jardineiro, mas as flores plantadas por ele são vistas à distancia.
Outro texto desse grande escritor é “Se é bom ou se é mau...” Ele apresenta uma lição de vida. Fala numa linguagem simples e direta para seguirmos adiante, não engessarmos diante dos obstáculos.  Ele clama para não se lamentar por fatos que aborrecem e modificam a trajetória. Por quê?  Aquele fato que nos pareceu mal, poderá nos causar um bem mais adiante. E ao longo do texto narrativo, diante de acertos e desacertos ocorridos a frase se repete: “Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá...
E não poderia ficar de fora desse mergulho a crônica que mostra a tentativa de domesticação que muitas escolas se submetem a fazer com seus alunos,  titulo: “ Os grandes contra os pequenos”. Texto simples, conta a história de uma criança que fica horas tentando decorar o que diz o livro didático, para escapar da avaliação ( te peguei!), enquanto o que ela tem a dizer não é  ouvido nem respeitado.
Ao reler essa crônica de Rubem Alves, lembrei-me de uma situação que presenciei há algum tempo, uma mãe constrangida porque sua filha de 11 anos estava angustiada por conta da avaliação que faria de acordo com um livro literário adotado.  A cada parágrafo lido, diante de algumas cenas de sexo, a menina questionava a mãe: “Minha mãe, o que é mostrar...?” “O que é...?” E mãe, olhava-me, pedindo socorro.
Falando em socorro, nas “escolas gaiolas e escolas asas” que esse grande escritor nos revelou, de certa forma, um convite aos profissionais da educação para olharem, não para as escolas, mas para si mesmos. Porque escola é um conjunto que não pode ser vazio. E a pergunta é: As minhas práticas pedagógicas aprisionam ou libertam  meus alunos?   
Como disse, são inúmeras contribuições de Rubem Alves que sacodem as  nossas frágeis bases. No entanto, uma das lições que unir à minha prática pedagógica é justamente sobre a escuta sensível. Isso porque “toda fala só é bonita quando nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina...”  Dizer o quê?  Depois de Rubem Alves tornei-me uma profissional melhor. Pelo menos me esforço para ser.
E lembro-me de uma ação que cometi há muito tempo, no início da caminhada pedagógica, mas até hoje me envergonho da minha falta de sensibilidade. Havia marcado uma avaliação e avisei que faria a segunda chamada só mediante um atestado médico.  No dia da prova, uma ausência. Um aluno bom da zona rural faltou.  Aquilo me aborreceu, pois teria que elaborar nova prova. Na aula seguinte, ele veio se justificar, antes de ouvi-lo até o final, cobrei o atestado médico. Ele com os olhos marejados, respondeu baixinho e amedrontado como se tivesse diante de um gigante: “Posso trazer a certidão de óbito de minha mãe?” Choramos juntos. E nos tornamos grandes amigos, e eu, mais humana.
 Confesso, essas crônicas funcionam como um “puxão de orelhas” às minhas práticas pedagógicas arrumadinhas e inquestionáveis. O que ensino e o que aprendo com meus alunos?  O que é educação sem essa  re-visão? Sem tecer cada fio para conectarmos uns aos outros num sentido somatório e não excludente.  
De tudo que aprendi com Rubem Alves o mais marcante resumo aqui: avalie seus alunos exatamente como você gostaria de ser avaliado por eles.  Se após essa reflexão continuar satisfeito com o resultado, parabéns!


                                                          E. Amorim

quarta-feira, 11 de maio de 2016

A Tartaruga Tatá

*
         Tatá é o meu nome. Dizem que sou uma tartaruguinha muito lenta. É mentira! É mentira! Isso é conversa do amigo Zik, um sapinho metido a besta só porque ganhou uma cadeira de rodas… Com a sua companheira Moka, os dois ficam tirando onda com a minha cara! Se eu ganhasse uma cadeira de rodas ou um carrinho queria ver quem iria me segurar!
         No entanto, preciso arranjar um amiguinho para brincar comigo, estou muito aborrecida com a minha dona. A Belita, uma garotinha sapeca, cisma em me deixar de pernas para o ar. Eu não sei que graça ela encontra em me deixar horas a fio naquela posição desconfortável. Vou fugir! Vou fugir daquela baianinha!
          É isso! Vou dá um susto naquela danada! A vida dela é me constranger, não me dá chance nem de cruzar as pernas! Quando ela tirar da minha casinha, vacilar um minuto, escapo de fininho. Já tentei fazer greve de fome, mas ela nem percebeu que não comi nada, meu protesto não adiantou. Ah, Belita! Ah, Belita! Queria vê-la rodar a baiana com a minha fuga.
         Tatá foi um presente de um amigo da família de Belita. E desde a chegada daquela tartaruguinha, Belita a tratava como se fosse um brinquedinho vivo e engraçado.  E seu passatempo era pegar os brinquedos e com um ” Pega Tatá!” e o casco de Tatá recebia as bonecas, bolas… Claro, por motivo de segurança, Tatá  escondia a cabeça, fato que aguçava a curiosidade de Belita:
       _ Tatá, não é hora de brincar de se esconder! Já te achei, Tatá! Já te achei!
        E a danada da menina, abaixava a cabeça até o chão para tentar convencer a Tatá sair do seu esconderijo. Enquanto Tatá não obedecia, Belita não arredava o pé.  O bom era que logo a menininha se cansava e Tatá respirava alguns minutinhos aliviada. Logo, ouvia uns passinhos ligeiros acompanhados de uma gargalhada, sabia que ela já estava de volta.
       A fuga estava toda planejada, faltava colocar em ação. Tatá passou a manhã se alimentando de alface para não sentir fome durante a sua viagem. Sabia que o mundo lá fora era cheio de obstáculos, mas ficar de pernas para cima, Tatá não iria mais ficar. Sem saber o que se passava na mente de Tatá, chega Belita, com um carrinho amarelo na mão e sorrindo como o Sol.  Dispara:
      _ Tatá, trouxe um carrinho para você!      E sem aviso prévio, a menina coloca a tartaruguinha em cima de um carrinho e a empurra. A coitadinha da Tatá levou  um tombo! Foi o máximo!  Belita achou que aquilo era para alegrá-la e volta a fazer o mesmo para  provocar novos tombos e gargalhadas.  A menina sorriu tanto que deu sede, e diz:
       _ Tatá, fique ai! Não pule do carrinho que já volto! E sai em disparada para saciar sua sede!  Ufa! ainda bem, que a garotinha se cansa rápido, pensa Tatá. Chegou a hora de fugir!
       _Que sorte! Logo hoje que decido fugir de Belita, ela me traz a condução!         De imediato desço do carrinho, empurro e volto a subir, de vez em quando encontrava um obstáculo em minha frente, novos tombos. Vi escurecer e clarear diversas vezes. O cansaço era grande, mas não desistir. De vez em quando encontrava algum farelo de pão, biscoito… comia sôfrego. Quanto tempo estou fugindo?!  Não sei, perdi completamente a noção de dia, noite, dia, noite, dia, noite, dia…
       Só sei que senti saudade de Belita, aquela garotinha levada a breca…Mas, mesmo se quisesse voltar não tinha como, nem sabia qual direção seguir. Entrei em tantos túneis fechados, com aquele cheiro horrível de chulé… Mas, queria nessa hora ser um mosquitinho para voar  até ela e saber se ainda sente a minha falta. Acho que já me esqueceu! Eu não sabia que o mundo aqui fora reservava tantas surpresas! Ela não me preparou para as armadilhas fora da minha casa. Oh, minha casinha, uma caixa de papelão, que saudades!      Lá eu tinha comida, água fresca. E aqui o que me restou? Não tem ninguém para brincar comigo… Ai! o que é isso?!
       _ZÁS!
        _Oh! Fui capturada! Como pode um pescador deixar essa rede em meu caminho?! Que coisa mais chata! Planejei minha fuga e agora vou morrer de pernas para cima presa a uma rede! Oh, Belita! Como você me faz falta! Com certeza o seu castigo não passava de um minuto, com esse coração de ouro que você tem… Estou morrendo, sem poder lhe dizer o quanto gostei do tempo que vivi contigo… Ué! Estou delirando?! Já estou até ouvindo a gargalhada e os passos apressados de Belita…
       _Vovó, veja como Tatá é ligeira! Enquanto fui beber água ela se escondeu atrás do mosquiteiro… Agora vou colocá-la de castigo de pernas para cima para deixar de ser sapeca!
                                  Elisabeth Amorim/ 2014


*imagem da fotosearch

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Satisfação (poesia)


É no escuro que te vejo melhor
Sem maquiagem,
Disfarce,
E seu rosto aparece, e
Desaparece ao raiar do dia.
Novamente fico só.


E essa lembrança o que é?
Vingança? Nem pensar!
Apenas uma doce esperança
De novamente encontrá-lo
Num elevador qualquer,
Dizer-te bem baixinho:
-Não sou o anjo mau!
Acredite se quiser.



E na imprecisão das horas
Enlouquecidas correm do tempo,
Pensamento...


Você se desfez,
 Feito pó de estrada
De curvas, pedras e abismos,
Escolheu a sua opção,
Dessa árdua e finita jornada
Com um controle remoto na mão
Volto a fita rapidinho
Vejo em seus olhos a satisfação
Presente!
Mas, corre por outro caminho,
Andando na contramão.


domingo, 8 de maio de 2016

A nossa literatura desmontada em rede...



Não adianta negar, vivemos numa sociedade em rede. Constantemente conectados queremos que os espaços, por nós transitados, sejam agradáveis. E só conseguiremos isso, unindo forças e promovendo uma educação de qualidade, capaz de transformar informações em conhecimentos, com isso gerar aprendizagem significativa.
Quem nunca recebeu vídeos que incitam a violência? O preconceito racial? Discriminação religiosa? Horríveis, não? Filmar as brigas na saída da escola e compartilhar nas redes ou até propagar as montagens que fazem com as autoridades, ridicularizando-as. 
Educação é muito mais que informação, mas transformação e renovação de práticas pedagógicas.  A proposta lançada pela escritora e professora Elisabeth Amorim para suas turmas da 3ª; série de Ensino Médio, no Colégio Estadual Lauro Farani ganha fôlego:  “Qualificar o uso das redes sociais, trocando os vídeos que incitem a violência  por vídeos curtos com a nossa  literatura.”  Toparam  discretamente o desafio lançado em 2014, em 2015 algumas equipes  se dividiram, entre usar a literatura da própria professora,   como forma de homenageá-la e a literatura autoral... Finalmente, em 2016, a literatura  produzida em sala está sendo mostrada através dos grupos do Whats app,  facebook  e também no you tube.
Hoje, temos aproximadamente trinta vídeos curtos literários nas categorias : autobiográfico, conto, recital, poesia e encontros literários entre outros.  E o melhor, produzidos pelos próprios estudantes.
 Vamos espalhar a literatura? Troque o vídeo agressivo por um vídeo educativo literário.  Não tem esse vídeo? Ora, seus problemas acabaram, acesse o nosso canal no you tube... Simples, basta um toque poético e  literatura baiana chegará até você!

                   Já disponíveis em rede em diferentes canais:

Maria João – tema: violência contra a mulher. Adaptação do microconto “Maria Maria” de estudantes do 3º. AM/2016.

Negra – mensagem de valorização a cultura afro.  R. Costa, 4º. Ano de agropecuária/ 2015
 
A passista –  tema: carnaval baiano e estereótipos para a mulher, adaptação do conto “ A passista” de E. Amorim/  estudantes do 3º. AM/2015; https://www.youtube.com/watch?v=HC2eWTU2Pmc

Ai se sêsse – cordel de Zé da Luz.  Interpretação de Lucas Amorim/ 2014.

II Viagem Literária da PIB Iaçu – Paródia e contação de história. Rafaela Teixeira/ 2014

Meu grito – Poesia de E. Amorim, com interpretação de Lucas Amorim. Encontro Literário./ 2014

Vou-me embora pra Pasárgada – Manuel Bandeira, 4º. Ano de Agropecuária/ 2015.

Dendê - tema: combate ao estereótipo contra baiano, adaptação do infantil “ Dendê”, de E. Amorim/  3ª.AM/2015. https://www.youtube.com/watch?v=a4-wMQn_ckU 
  
Enxergando através da luz, mensagem reflexiva. R. Costa, 4º. Ano de Agropecuária/2015.
                                   
                                 
                                         E muito mais...

   Por gentileza, ajude-nos divulgando esse projeto.

  

sábado, 7 de maio de 2016

Plenitude

             


Mãe branca, mãe preta
Mão que acalenta,
Mão que ampara
O fruto do vosso ventre.
Mãe atenta.

Pressionada pelo sistema
Quer seu filho advogado,
Médico, doutor, senhor...
Sonha acordada com um futuro melhor
Na esperança de estar ao seu lado.

Mãe, sente seu corpo mudar
A barriga  cresce... cresce...cresce...
Guarda o seu tesouro ali dentro,
Como uma loba o protege sem cessar,
Gesto que a enobrece.

Na sua plenitude, mãe!
Que zela e reclama por amor
Tu deixas uma sublime lição
Ser mãe é mais que proteção
Mãe, um ser doador.


E. Amorim


* Nuno Duque, Inspiração artística/ Mãe negra, autor desconhecido.

Literatura de mainha 6 - Afirmação de identidades

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