Falar da peça teatral “ Três dias de chuva”, em cartaz
no Teatro Jorge Amado( Pituba) nos dias
28 e 29 de maio, ou seja, ontem e
hoje, é mergulhar numa cultura restrita a poucos. Infelizmente, a grande massa continua
distante do teatro, porque é um lazer cultural caro no Brasil. No entanto, é sair satisfeita por ter assistido a um excelente
espetáculo, dirigido por Jô Soares e
encenado pelos artistas globais:
Otávio Martins, Carolina Ferraz e Fernando Pavão.
Dividida em dois atos, sendo o
segundo, determinante para entender os problemas familiares abordados no
primeiro. Por quê? O primeiro ato se passa em 1995 quando dois irmãos se encontram após quase um ano , desde o
falecimento do pai. Anna e Walker (Carolina
Ferraz e Otávio Martins) na verdade se desencontram com reencontro, porque as
críticas e as cobranças acontecem de
ambos os lados. Nenhum dos dois estavam
dispostos a correção, apenas queriam saber sobre o testamento do pai. Apesar da
imensa fortuna deixada, Walker voltou para reivindicar uma casa. Durante a
discussão sobre a partilha de bens entre os dois irmãos, surge o amigo da
família, Pip ( Fernando Pavão), filho de Theo,
falecido sócio de Ned (pai de Anna e Walker).
E no desenrolar das cobranças e ressentimentos, Walker revela para sua irmã que havia
encontrado um diário do pai e começa a fazer críticas sobre as anotações
registradas. Ainda mais que os registros
eram com frases curtas tipo: “ dia tal: choveu hoje”, “dia tal: choveu hoje”, “dia tal: choveu hoje novamente!” Para o
jovem rebelde, que não se prendia as convenções sociais, aquelas anotações eram
um código secreto, para esconder algo “condenável” no passado. Qual o interesse alguém tinha ao registrar de
forma tão mecânica sobre três dias de
chuva?
E em busca de pistas, porém,
carregado de suposições maldosas e preconceituosas, o jovem começa a leitura do diário
para tentar descobrir o que havia por
trás dos três dias de chuva. Já a irmã, não gostaria que mexesse no passado dos
pais... Isso no dia da leitura do testamento. E uma grande surpresa acontece no escritório do advogado.
Já o segundo ato se passa em
1969 e mostra a relação entre os sócios
Ned e Theo, pais de Anna, Walker e Pip,
antes do nascimento de seus filhos. Os
filhos do primeiro ato, dessa vez interpretam os pais. Como disse é o grande
mote da peça teatral, determinante para entendê-la. Escrita por
Richard Greenberg, produção de Ed Júlio e dirigida por Jô Soares, “Três
dias de chuva” sacode os conceitos sobre as relações familiares, obrigando a
repensar sobre as deduções e
julgamentos precipitados e tendenciosos.
Quantas vezes tornamo-nos críticos
de uma situação apenas pelo nosso olhar?
Julgamos, deduzimos e condenamos sem conhecimento de causa, numa
tradicional e arbitrária “fazer justiça!”
E a peça teatral é essa bela surpresa, porque na maioria das vezes só
observamos pela nossa lente, nossos (pre)conceitos sobre ética e valores, sem jamais trocarmos de lugar com o acusado.
E em nome do politicamente correto, apontamos o dedo em direção contrária a nossa, mas se olhássemos
atentamente para toda mão, talvez, envergonharíamos de mostrá-la, ainda mais apontar o dedo para alguém. E os “três dias de chuva” é finalmente
desvendado e, confesso, foi muito bom passar a chuva pegando uma carona no
guarda-chuva desses talentosos artistas.
Elisabeth Amorim (Escritora baiana e Mestra em
Crítica Cultural\ UNEB)