Recentemente
uma jovem negra monologava em voz alta sobre o “Dia da Consciência Negra” e
numa das falas ela reclamava de como “os negros querem se aparecer por conta
dessa data”, geralmente, segundo ela, “fazendo-se de vítima”. Em síntese, ela mostrava o absurdo das escolas
discutirem “o dia do negro” sendo que assuntos mais importantes ficam sem
discussão.
Há uma coisa
que a minha práxis pedagógica me ensinou é que num momento de tensão, revolta,
nervosismo o melhor caminho é ouvir, deixar que a pessoa fale, desabafe, jogue
seu fardo no chão. Porque qualquer opinião contrária, a revolta aumenta e o
descontrole é maior. E foi o que fiz, até o momento que a jovem cobra-me uma
posição favorável ou contrária a sua defesa. Fiz apenas essa pergunta para
reflexão:
_Como você
analisa a liberdade dada aos escravos e seus descendentes sob a perspectiva da Lei Áurea,
assinada pela Princesa Izabel e como essa liberdade ganha outra conotação sob a
ação de Zumbi dos Palmares?
A jovem me
olha assombrada, digerindo cada palavra, mas disse que não havia entendido e pede para repetir a pergunta. Achei que não adiantava repetir, quando se
fecha os olhos diante de tantas informações, não seria dois, três minutos que a
convenceria a tirar a venda dos olhos. Disse
simplesmente, que não havia “dia do
negro”, mas o dia para refletir a história de uma pessoa negra que lutou pela
liberdade de outros negros e por conta da sua luta pagou com a própria
vida. E nesse dia, pensa-se no
cumprimento dos direitos humanos, respeito às diferenças,
combate ao racismo... Pois, ainda hoje muitos negros estão morrendo por conta da cor pele, muitos são
presos e discriminados também, por conta
da cor da pele. E esse tema( referindo-me aos direitos humanos universais) deve
ser uma constante em todas as escolas, ou não? Indo além, provoco: Veja como nós
negros somos maioria...
E a jovem
sentindo “quase branca”, olha-me revoltada
e dispara: “_ Sou contra! Sou contra as cotas, sou contra esse carnaval que se
faz em torno do negro... Há índios, há brancos! Por que não a Consciência
Branca?! Por que não Consciência Índia? Muitos
negros querem fama às nossas custas! Fazem sucesso porque são negros"
Não disse?
Quando se tem uma opinião formada não adianta mexer... Vira-se contra qualquer interventor. Dessa vez, não quebraria o meu silêncio, não
iria rebater aquela provocação. Ela não entendeu a diferença entre fama e sucesso. A fama
todos os dias os big brotheres da vida lançam “famosos”. Os presídios estão cheios de presos famosos devido o currículo no mundo dos crimes. Na política há famosos pelas falcatruas praticadas. Já sucesso é conquista
pessoal. É investimento, por isso duradouro. Percebi que a jovem não estava falando dos
negros em geral, ela estava o tempo inteiro falando de si mesma. Na verdade ela queria
quebrar o espelho, de repente não gostou da boneca quase branca refletida. O espelho tira-lhe a máscara, ela surta e não sabe mais o que fazer com a sua consciência branca em conflito...
E. Amorim
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