Entrada do Shopping Bela Vista/ Salvador - BA |
De repente acordo do meu sono de Bela Adormecida, não havia
príncipe algum ao meu lado. Apenas um papelão que servia de cama debaixo do meu
castelo, não sei porque as pessoas insistem em chamá-lo de viaduto. A voz do
povo nem sempre é voz de Deus, era o que pensava Malina.
Sim, escureceu rápido na grande Salvador. Muitas nuvens carregadas sobre as nossas
cabeças, olhando bem... vejo também muitas luzes piscando... Vou segui-las. Não que eu acredite que lá
encontrarei Papai Noel, isso é coisa de criança criada em shopping, menino de
rua não tem nada disso na cabeça. Mas o sonho uma vez no ano faz tão bem... Os
adultos não acreditam na Black Friday e correm alucinados para comprar um
produto sem olhar o preço?
Sinto-me perdida nessa Floresta de Luzes, parece encantada. Eu
gosto de quebrar os encantos, desencantar-me. Sigo em direção as luzes que brilham. De
repente, percebo que estava completamente enfeitiçada. Não tinha jeito, comecei a gostar do sonho,
era algo tão raro em minha vida, talvez
sem me dar conta já estava na porta de um shopping.
Realmente, a Floresta Encantada exibe uma bela vista. Toda
floresta tem lobo mau? E se um lobo me atacasse naquele
momento? Nas mãos apenas um pequeno
spray de pimenta, não iria intimidá-lo por muito tempo. Eu, magrinha,
facilmente, o frasco iria para o lixo.
Ouço as vozes vinda lá de dentro do shopping, vez ou outra escapa algum
cheirinho da comida, talvez, para me lembrar que não fiz nenhuma refeição naquele dia. Mas, começo a fazer
jus ao meu nome, vou malinar à vontade... Entro saltitante naquele castelo de
sonhos infantis: árvore de natal, bolinhas coloridas, muitas luzes, trenós e animais exóticos...
Papai Noel!? Ele existe de verdade!
Não precisei andar muito. Logo a frente um coral com Papai Noel, muita
gente a filmar aquelas crianças a sua
volta. Tentava me aproximar,
mas era invisível e impossível. Ninguém me filmava, nem notaram a minha
presença. Era tanto brilho, tantas
cores, que a minha cor fosca não serviu
para nada. Ofuscaram-me, com certeza.
No entanto, algo me chamou a atenção... Estavam cantando “
Noite Feliz”, finalmente eu iria entender o sentido do Natal. Claro, não iria dizer aos meus colegas de
infortúnio a minha aventura. Mesmo
porque eles não acreditariam. Muitos
afirmam que Papai Noel não existe.
Mas eu juro. Eu vi Papai Noel. Ele passou pertinho de mim...
Ele também não me viu. Não adiantava eu me sentar ao lado dele se eu não tinha
um celular para registar o momento. E se eu tivesse um celular teria que criar
uma conta no facebook para mostrar aos meus amigos virtuais e cobrá-los as
curtidas e comentários nas minhas postagens.
E se comentassem sobre as minhas roupas velhas? E se falassem do meu
cabelo sujo? E se me criticassem... E se
me ignorassem... E se me perguntassem...
- Malina, o que fazes no shopping?
Gente, as relações pessoais são complicadas! Eu teria que dar satisfação da minha vida para
o mundo só por causa de um abraço de Papai Noel... Acho melhor voltar para
o meu castelo, lá tudo é real.
Elisabeth Amorim/ Salvador, Ba, nov. 2017
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