Seu nome
ninguém sabia ao certo qual era. Mas por
falta de um nome próprio resolveram chamá-lo de Zezé. Menino magro, pés descalços, olhar faminto e suplicante.
Poucos notariam os seus pequeninos desejos, afinal, com a aproximação de Zezé as
pessoas tratavam de sair da sua frente. Agarravam as bolsas com força, outras
protegiam as carteiras e colocavam-no para correr. Zezé não era bem-vindo nos espaços públicos
transitados.
Zezé vivia
das migalhas de alimentos que caíam no chão, das sobras do almoço de muitos outros e desperdício alheio... Quando o
dono do restaurante não estava olhando, aquele garoto que não tinha mais que 11
anos, muito ágil, entrava em cena com aquele apelo mudo:
_ Estou com
fome... Posso pegar o que está sobrando no seu prato? E esse resto de arroz? E
esse macarrão que irá para o lixo?
Amedrontados
com aquela aparição pública em forma de gente pequena e faminta, os clientes diziam com a voz
trêmula:
_Pode, pode, sim.
Leve, leve rápido. E saia daqui, moleque!
_ Deus te
abençoe e te aumente – Era essa resposta dada pelo garoto.
E como um raio,
Zezé limpava a mesa com a sua sacolinha plástica. Ninguém ali estava preocupado
com a bênção divina anunciada por Zezé, por isso nem respondiam. Quando o dono e empregados do restaurante
percebiam a presença de Zezé, ele já estava dobrando a esquina com o seu almoço
e jantar garantidos. Zezé fazia parte daquele local, mesmo negando e sendo
renegado, ele era o outro lado da fartura: miséria humana. Essa que muitos tentam ocultar, mas das
sobras e sombras ela se revela.
Zezé era tão assíduo nas redondezas... mas
faltou naquele dia. Ninguém sentiu a sua falta. Zezé e cão às vezes se confundiam, porém com a
sua ausência o almoço ficou mais saboroso, sem a incômoda presença da cara de fome
daquele garoto, expulso feito cão sem dono. Essa era a diferença, o cão tinha
dono, Zezé, não.
Uma semana após o sumiço de Zezé, ele
reaparece, como fênix ferido. Parecia mais
magro e mais triste, como se isso fosse possível. Ele não estava mais se preocupando em pedir
as sobras do almoço, dessa vez o seu pedido chamou atenção:
_ Moço, posso
levar esse pedacinho de carne para a minha amiga? Ela está muito doente...
Aquela
palavra “amiga” chamou a atenção dos clientes daquele restaurante. Aquele
menino magrinho, pobre, sujo, tinha uma amiga...
Quem seria a amiga de um garoto de rua?
_ Qual o nome
da sua amiga, Zezé?!
Zezé se
assustou. Pois como menino de rua não se lembrava de alguém que parava para
observá-lo ou questionar algo sobre a
sua vida pessoal. Era como um ser invisível. E de repente, um cliente se
interessa por ele e por sua amiga. Com
um sorriso amarelado pelas cáries, responde:
_ Lua.
_ Lua?! Sua
amiga se chama Lua? Lua... de Luísa, Lúcia, Luciana?
Novo sorriso
de Zezé, desfrutando aquela sensação
íntima de ser notado... diz:
_ Não, não.
Lua. Apenas isso, Lua de lua,
mesmo. A Lua é minha amiga e guia.
_Ah, entendi...
traga a sua amiga para que possamos conhecê-la qualquer dia desses... Certo?!
_Sim... mas o dono daqui poderá não gostar...
E dessa vez
os clientes que estavam em volta da mesa, sorriem. E dizem para ficar tranquilo, pois ele e Lua seriam seus convidados. E chamam o
gerente e avisam sobre o convite feito a Zezé e sua amiga, dando-lhe todas as sobras do almoço sem nenhum
protesto.
Zezé voltou
para o seu cantinho lá no viaduto do outro quarteirão. Olha para Lua imóvel e fala que encontrou novos amigos. Quem sabe a vida poderia mudar? Feliz com essa perspectiva de mudança,
Zezé comemora com a sua amiga:
_ Lua, eles
me notaram! E eles também te notarão, minha amiga. Levante-se, trouxe comida!
No dia
seguinte, o restaurante lotado, a conversa é interrompida com entrada daquele
menino com a sua melhor roupa, mesmo surrada, com alguns remendos, percebe-se
que estava limpa. E acompanhado de perto de uma cadela bem magrinha, amarrada
numa velha coleira. Não deu mais que três passos... aos berros, acompanhado de algumas vassouradas, tiveram que
deixar o local.
Enquanto os
clientes riam a valer das tentativas de defesa da criança com as mãozinhas
magras, segurando a vassoura para que Lua não fosse atingida. Enquanto Lua ameaçava um ataque, mas sem forças nada fazia, a não ser gemer com as pancadas. Zezé saiu dali ferido,
mas com o orgulho de si mesmo por ter defendido sua amiga. Ainda ouviu um cliente dizer sorrindo:
_ Eu sabia
que esse moleque de rua não tinha amiga nenhuma. Ele mereceu as vassouradas,
estava zoando com a nossa cara! Quem vai
querer amizade com esse pivete?
Abraçado com
Lua na calçada, secava as lágrimas, num lamento se levantou para dar a resposta
à distância, para evitar novas agressões a sua fiel companheira:
_ EU SOU AMIGO DA LUA, SIM! E ela me acompanha
onde eu for. E não ia fazer mal algum, ela só está com fome e doente... e eu
também.
As
gargalhadas aumentaram ao saber que Lua era a cadela de Zezé. E decidiram mudar o nome de Zezé. Ele seria chamado de “Amigo
da lua”, quando voltasse lá no outro dia. Só que não tiveram chance, porque Zezé saiu e
nunca mais voltou. No cantinho do
viaduto ele foi encontrado abraçado com Lua.
Eclipse
total... a lua cheia de tristeza se recolhia para velar o sono eterno de seus
amigos.
Elisabeth Amorim/ Salvador, BA, 2016.
*imagem da web.
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