domingo, 10 de abril de 2016

Cortinas abertas (crônica)



Anyliz era metódica, organizada e totalmente concentrada, sabia o que estava fazendo ali e o que faria lá ou  acolá.  Com apenas 20 anos, entra na universidade como uma das primeiras colocadas. Antes de matricular-se, Anyliz já havia criado um mundo de sonhos em sua mente:  Companheirismo, responsabilidade, troca de saberes, respeito às diferenças... Em uma jovem tão certinha aparecia um defeito, apenas um: pavio curto! Bateu, levou!
Entra no segundo semestre do ano letivo, justamente num período em que estavam disputando uma eleição para coordenação de colegiado do curso matriculado, emendada por uma campanha acirrada para a reitoria. Ânimos exaltados e votos sendo disputados quase a tapa. Chega Anyliz.  E de imediato querem saber em quem a “calourada” de filosofia iria votar.  É um tal de “esse é melhor e aquele é pior” que atordoava a inexperiente caloura.  E o mais confuso era que o mesmo cabo eleitoral que ontem dizia que X era melhor que Y, no dia seguinte, sem nenhum constrangimento, queria que os outros engolissem o discurso  goela abaixo  totalmente modificado, Y é mil vezes melhor que X. E aquele calouro que ousasse perguntar :
_ Ontem não era o contrário?!
A explosão era bombástica:
_ Calouros são “bichos”, não entendem a língua dos veteranos! E já gostam de falar o que não sabem ... “Bichos”! Votem em  Z e pronto!
Como Anyliz não gostou de ser insultada, ergue a mão e pede a palavra:
_ Tenho três perguntas: Primeira: Quando vocês veteranos tiveram a consciência que deixaram a condição de “bichos”? Segunda, o que exatamente  nós “bichos” não sabemos  que vocês dizem saber? E terceira,  a campanha é para quem mesmo, X, Y ou Z?
Irritado com aquela jovem petulante,  desafiá-los a resolver uma incógnita  nada filosófica  em um espaço só dos veteranos... Aquele líder percebeu que teria uma adversária à altura. E como aquele duelo, claramente o “bicho” venceria, ele se utiliza de uma arma que  só entra em cena quando os gêneros opostos estão em disputa de poder:
_Ah, não vou falar contigo, pois você é mulher! Conversar com mulher... Sei não, é problema, também... Aposto que nem... nem experiência com o gênero oposto você tem... Pela sua cara assustada, é virgem! Não tenho paciência com virgens! Aliás, acredito que você ainda nunca deu uma voltinha para vê o que acontece do outro lado do muro...
E Anyliz, vermelha como um pimentão, mas com um raciocínio mais rápido que o vento, devolve a provocação, utilizando-se das mesmas táticas do adversário...
_ Oh, desculpe-me, não sabia que a minha dúvida iria lembrá-lo  sua opção sexual que tanto o irrita, sou mulher, assumo meu gênero, enquanto você...  Eu não precisei ir lá trás do muro para saber o que se passa, porque nasci lá, aqui sou visita.
Duelo empate.  Esquecidos da ética na hora da discussão, perderam a chance de brilhar. Talvez, nem perceberam que no palco da vida as cortinas permanecem constantemente abertas.

                      E. Amorim

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