sábado, 23 de abril de 2016

O senhor e as pedras (crônica)

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Lá vai aquele senhor com um carro-de-mão sendo empurrado, com vestes em trapos,  em uma das mãos um estilingue como espécie de arma para se defender daqueles garotinhos que durante a saída da escola insistiam em irritá-lo com apelidos e acusações infundadas. E a sua forma de revidar, jogava pedras nos agressores. Dia após dias, ano após anos. Era uma espécie de provoca e esconde, provoca e esconde. Para a explosão total.
Aquele momento era um salve-se quem puder, as pedras passavam zunindo aos ouvidos, e aquele  senhor dava uma carreirinha para tentar alcançar os agressores, que sempre escondiam em uma casa comercial,  uma escola, uma esquina qualquer e de lá as provocações ecoavam e em  represália o estilingue entrava em cena.
O tempo passa e o carro-de-mão é substituído por uma enxada,... Não queria se sentir inútil. E as crianças também crescem, tornam-se  jovens, adultos,  mas as provocações continuaram.
Chega a velhice, meio curvado, lento e com reflexos já bem reduzidos, o senhor  perambula pelas ruas da pequenina cidade baiana. Seleciona a casa que irá pedir uma “merendinha”. E uma das coisas que diz quando é atendido marca uma singeleza peculiar de uma pessoa que se tornou um símbolo daquele lugar que ele tanto ama, e tenta através de pedradas, fazer-se respeitado.
_  “A senhora me ‘descurpe’ por incomodar, mas queria uma merendinha... Qualquer coisa serve! Não sou soberbo, qualquer coisa serve para quem tá com fome!”
Como desculpá-lo pelo incômodo se num desses momentos de tamanha humildade, notamos os nossos herdeiros atacando aquele senhor? E com um sorriso sem graça, por controlar a vontade de colocar em movimento o estilingue que guarda de outrora, dá um sorriso triste, acompanhado da frase:
_ “Deus te abençoe, Dona Menina! E vai ‘discurpano’ em chegar em sua  porta! ”
E sai, quase se arrastando, colocando o estilingue em posição de uso para tentar  silenciar os assobios e provocações da nova geração, enquanto as pedras passam velozes e distantes daquelas cabeças sem juízo.
                               
                                                   Amorim/2015

*imagem da web.


                        

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