Lá vai aquele
senhor com um carro-de-mão sendo empurrado, com vestes em trapos, em uma das mãos um estilingue como espécie de
arma para se defender daqueles garotinhos que durante a saída da escola insistiam
em irritá-lo com apelidos e acusações infundadas. E a sua forma de revidar,
jogava pedras nos agressores. Dia após dias, ano após anos. Era uma espécie de
provoca e esconde, provoca e esconde. Para a explosão total.
Aquele
momento era um salve-se quem puder, as pedras passavam zunindo aos ouvidos, e
aquele senhor dava uma carreirinha para
tentar alcançar os agressores, que sempre escondiam em uma casa comercial, uma escola, uma esquina qualquer e de lá as
provocações ecoavam e em represália o
estilingue entrava em cena.
O tempo passa
e o carro-de-mão é substituído por uma enxada,... Não queria se sentir inútil.
E as crianças também crescem, tornam-se jovens, adultos, mas as provocações continuaram.
Chega a
velhice, meio curvado, lento e com reflexos já bem reduzidos, o senhor perambula pelas ruas da pequenina cidade
baiana. Seleciona a casa que irá pedir uma “merendinha”. E uma das coisas que
diz quando é atendido marca uma singeleza peculiar de uma pessoa que se tornou
um símbolo daquele lugar que ele tanto ama, e tenta através de pedradas, fazer-se respeitado.
_ “A senhora me ‘descurpe’ por incomodar, mas
queria uma merendinha... Qualquer coisa serve! Não sou soberbo, qualquer coisa
serve para quem tá com fome!”
Como
desculpá-lo pelo incômodo se num desses momentos de tamanha humildade, notamos os
nossos herdeiros atacando aquele senhor? E com um sorriso sem graça, por
controlar a vontade de colocar em movimento o estilingue que guarda de outrora,
dá um sorriso triste, acompanhado da frase:
_ “Deus te
abençoe, Dona Menina! E vai ‘discurpano’ em chegar em sua porta! ”
E sai, quase
se arrastando, colocando o estilingue em posição de uso para tentar silenciar os assobios e provocações da nova
geração, enquanto as pedras passam velozes e distantes daquelas cabeças sem
juízo.
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