segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Natal no Cachoeirão (crônica)


Aproximava o Natal e pairava aquele “cheirinho” de presente no ar. Não que as lojas estivessem enfeitadas, elas eram tão poucas naquele lugar tão distante que mais parecia que Papai Noel nunca chegaria ali. Mas, a escola tinha o dom de implantar sonhos nas cabecinhas das crianças, e um deles era “aguardar a chegada dos presentes de Natal”. Será que a escola não percebia que nem toda criança  era filha de papai Noel?
Voltei para casa com uma tristeza no peito, pois imaginava que seria mais um natal sem presentes. Sonhava tão pequeno, mas tão pequeno que Papai Noel  nem dava  importância para aqueles pequeninos desejos.  Pegava o meu caderno e um “toquinho” de lápis e disparava a escrever. E nos meus rabiscos, tinha de tudo: mesa farta, bonecas e muito, muito sorriso.
Chegam às férias escolares, depois a véspera de natal. Minhas colegas já amanheciam desfilando com suas bonecas novas em toda a vizinhança, enquanto eu ficava meio escondida, não queria vê-las para não despertar aquele sentimento de inveja, algo tão feio e nocivo à saúde. Só que não poderia me esconder por muito tempo, nem fugir da pergunta crucial: “Onde está o seu presente de natal?”
Criava o meu mundo de sonhos encantados, construía os meus castelos de areia para numa simples data se desmoronarem. Naquele ano fiz diferente, não sei exatamente a minha idade, mas prometi a mim mesma que não sofreria com o que não tinha, mas desfrutaria intensamente do que viesse a ter. E foi a melhor decisão tomada e levo para a vida toda.  Porque eu tinha o meu mundo. Eu tinha os meus sonhos de papel, e neles tudo poderia acontecer.  Eu fazia acontecer.
Diante da conversa séria com meu querido pai, entendendo o quanto era difícil manter o pão de cada dia para que nada não faltasse ao nosso lar, ele declara a sentença: “Amanhã será o Natal, como papai Noel esqueceu o nosso endereço mais uma vez,  eu mesmo darei o presente a todos vocês.” E para isso, eu e meus irmãos teríamos que dormir cedo. Não precisou falar duas vezes, todos correram para a cama...
Natal chega rápido, dia brilhante, e ao nascer do sol, somos acordados para passarmos o dia em contato direto com a natureza. Pois o melhor presente que Deus nos deu foi a vida,  e nada melhor do que lembrar da vida, no dia do Natal. Com nossas sacolinhas nas mãos, fomos todos passar o Natal no Cachoeirão.  Essa cachoeira é uma queda d'água que fica algumas horas de Licínio de Almeida, interior da Bahia.  O sonho da boneca foi completamente esquecido diante do espetáculo da vida, mas aquele Natal, tornou-se inesquecível, desfrutando da ceia natalina: “farofa com pão e biscoito” e muitos sorrisos valeram por mais de mil brinquedos. 
Retornamos praticamente ao anoitecer, cansados das brincadeiras, encontramos a pacata cidade descansando das agitações natalinas diurnas. Estava feliz com aquela experiência ímpar, sabia que as bonequinhas das minhas colegas logo perderiam os braços, pernas, mas a felicidade vivenciada naquele natal, ficaria viva para sempre em minha memória.  Depois daquele Natal, nunca mais me incomodei com a falta de atenção do bom velhinho. Porque o meu pai também entendeu, e sempre tinha um mimo para nós, tão valioso que nem o dinheiro comprava... 



E. Amorim

* a primeira imagem é a afetiva e virtual e a segunda é real, "Cachoeirão, Licínio de Almeida/BA)

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