Aproximava o Natal e pairava
aquele “cheirinho” de presente no ar. Não que as lojas estivessem enfeitadas,
elas eram tão poucas naquele lugar tão distante que mais parecia que Papai Noel
nunca chegaria ali. Mas, a escola tinha o dom de implantar sonhos nas
cabecinhas das crianças, e um deles era “aguardar a chegada dos presentes de
Natal”. Será que a escola não percebia que nem toda criança era filha de papai Noel?
Voltei para casa com uma tristeza
no peito, pois imaginava que seria mais um natal sem presentes. Sonhava tão
pequeno, mas tão pequeno que Papai Noel
nem dava importância para aqueles
pequeninos desejos. Pegava o meu caderno
e um “toquinho” de lápis e disparava a escrever. E nos meus rabiscos, tinha de
tudo: mesa farta, bonecas e muito, muito sorriso.
Chegam às férias escolares,
depois a véspera de natal. Minhas colegas já amanheciam desfilando com suas
bonecas novas em toda a vizinhança, enquanto eu ficava meio escondida, não
queria vê-las para não despertar aquele sentimento de inveja, algo tão feio e
nocivo à saúde. Só que não poderia me esconder por muito tempo, nem fugir da
pergunta crucial: “Onde está o seu presente de natal?”
Criava o meu mundo de sonhos
encantados, construía os meus castelos de areia para numa simples data se
desmoronarem. Naquele ano fiz diferente, não sei exatamente a minha idade, mas
prometi a mim mesma que não sofreria com o que não tinha, mas desfrutaria
intensamente do que viesse a ter. E foi a melhor decisão tomada e levo para a
vida toda. Porque eu tinha o meu mundo.
Eu tinha os meus sonhos de papel, e neles tudo poderia acontecer. Eu fazia acontecer.
Diante da conversa séria com meu
querido pai, entendendo o quanto era difícil manter o pão de cada dia para que
nada não faltasse ao nosso lar, ele declara a sentença: “Amanhã será o Natal,
como papai Noel esqueceu o nosso endereço mais uma vez, eu mesmo darei o presente a todos vocês.” E
para isso, eu e meus irmãos teríamos que dormir cedo. Não precisou falar duas
vezes, todos correram para a cama...
Natal chega rápido, dia
brilhante, e ao nascer do sol, somos acordados para passarmos o dia em contato
direto com a natureza. Pois o melhor presente que Deus nos deu foi a vida, e nada melhor do que lembrar da vida, no dia
do Natal. Com nossas sacolinhas nas mãos, fomos todos passar o Natal no
Cachoeirão. Essa cachoeira é uma
queda d'água que fica algumas horas de Licínio de Almeida, interior da
Bahia. O sonho da boneca foi completamente
esquecido diante do espetáculo da vida, mas aquele Natal, tornou-se inesquecível,
desfrutando da ceia natalina: “farofa com pão e biscoito” e muitos sorrisos
valeram por mais de mil brinquedos.
Retornamos praticamente ao
anoitecer, cansados das brincadeiras, encontramos a pacata cidade descansando
das agitações natalinas diurnas. Estava feliz com aquela experiência ímpar,
sabia que as bonequinhas das minhas colegas logo perderiam os braços, pernas,
mas a felicidade vivenciada naquele natal, ficaria viva para sempre em minha
memória. Depois daquele Natal, nunca
mais me incomodei com a falta de atenção do bom velhinho. Porque o meu pai
também entendeu, e sempre tinha um mimo para nós, tão valioso que nem o dinheiro
comprava...
E. Amorim
* a primeira imagem é a afetiva e virtual e a segunda é real, "Cachoeirão, Licínio de Almeida/BA)
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