domingo, 27 de setembro de 2015

IBOTIRA (conto)


A MENINA  QUE ENGOLIA SONHOS

*



      Cada qual em sem canto sabe bem desfrutar os encantos.  Ibotira  era  uma garota de  14 anos,  filha adotiva de Sr. Honório e Dona Marta.  Ela não conhecera seus pais biológicos, mas  o casal  não a deixava  sentir falta de carinho, Ibotira era muito amada.
      Ibotira estudava o 9º. Ano do Ensino Fundamental com  a sua melhor amiga, Íris.   Íris não era popular quanto Ibotira, isso a deixava insegura e irritada.  Nos momentos mais inesperados, Íris atribuía a Ibotira características falsas e inusitadas. E uma das coisas que ela propagava em torno da amiga era o vício de “engolir sonhos”, na linguagem adolescente era “viver no mundo da lua”.   
     Ibotira percebia que as indiretas eram para esconder características próprias. Pois ela era extremamente ordeira, atenciosa e com personalidade forte, apesar da pouca idade, Ibotira sabia o que queria. Chega o momento das paqueras e a irritação de Íris aumenta. Cansada das agressões, Ibotira reclama:
     -Íris, você sabe o quanto gosto de ti, mas tudo que faço você critica.  Tem momentos que você age como uma inimiga feroz, você é ou não minha amiga?
     Íris  alfineta:
     _ Você é muito estranha, Ibotira.  Conheço um montão de garotas que falam mal de você  e qual a sua reação? Balança os ombros... Essas roupas não combinam contigo, acho você... Quem são os seus pais? Por que você não ficou com eles na mata?
     Ibotira olha com tristeza para a amiga. Ela sabia através das discriminações sofridas que muitas pessoas tem visão seletiva. E Irís não era diferente, só a enxergava nua no meio da mata, nunca na mesma escola que ela frequentava, tirando notas, às vezes mais altas em língua portuguesa, estudando e muito para ser aceita... Resolvera ali, dá uma lição sobre as diferentes culturas quem sabe assim a sua amiga perderia toda a carga ideológica sobre a cultura indígena.  
     _ Meus pais, meus avós não estão comigo, porque... Ah, deixe para lá, amiga, fala emocionada. Poucos entenderam a minha cultura. Acho que você tem razão... E como estranha, fico na minha “tribo”. Quando quiser juntar-se a nós...
      A separação foi traumática para Íris, logo ela percebera que era Ibotira que nutria o círculo de amizade.  Íris ia ficando cada dia mais solitária e intolerante.
      No próximo sábado era especial para as duas adolescentes, Ibotira  aproxima-se de Íris, na véspera e a convida para a sorveteria  a noite do dia seguinte. Íris aceitou de imediato, mas ao chegar em casa  mudou de ideia.  No  dia e horário combinados, vários adolescentes na sorveteria, algazarra geral,  Ibotira se preocupa com a ausência de Íris,  telefona várias vezes,  passa mensagem, sem resposta. Desiste e vai curtir com as amigas. 
     Na segunda-feira, no colégio, Íris evita olhar para Ibotira. Inteligente, Ibotira  respeitou o seu silêncio.  Quando Íris percebeu que  Ibotira não iria questionar a sua ausência proposital, disse:
     _Sinto muito se a deixei esperar no sábado. Mas tive um compromisso importante, esquecei completamente.  Não abrir a agenda. Quando você precisar sair comigo terá que me avisar com antecedência...
     Ibotira , depois de 4 anos de amizade, responde tranquilamente: 
     _Íris, pena que não olhou a  agenda...   E você vivia espalhando que eu engolia sonhos... Parabéns, 15 anos. Estamos de parabéns! Mas nem se preocupe, nos divertimos por você também.  
      _Nós?
      _Sim, a nossa turma foi para sorveteria, eram três aniversariantes na mesma data, não poderia passar em branco...Como você faltou, resolvi comprar esse presente para você! Retira da bolsa um belo pacote e passa para a amiga, abraça-a desejando-lhe “felicidades”  e sai silenciosamente.
     Constrangida, abre-o e encontra uma linda agenda, na capa uma índia completamente nua...Vermelha de vergonha, Íris lê a mensagem:

                      “Com carinho.
                  A menina  que engolia sonhos”
                                                                                      

                                                      Amorim




* NERIGHA, Índia com colar. (pintura em óleo, disponível na web)

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Tua flor ( Poesia)

Elisabeth Amorim

Que queres de Deus?
Ele te mostrou a Luz
Dando-te o filho primogênito, Jesus.
Para que sigas os passos seus.

Que queres do universo?
Ele  te deu toda a natureza
Um cenário de ímpar beleza
Para que andes no caminho certo.

Que queres do seu país?
Ele te fez cidadão.
Tu pertences a esta nação
Pratiques a cidadania e sejas feliz!

Que queres do teu estado?
Ele te deu uma identidade
Reconhecendo-te com dignidade
Multipliques o  teu legado.

Que queres da sua cidade?
Tu és mais um morador
Poderás ser também colaborador
Para isso não tem idade.

Que queres desse jardim?
Sou apenas uma flor
Que desistiu de ser espinho
E nasço na primavera, assim…

– Ó minha linda flor!
Está escrito no firmamento
As flores nascem para o encantamento
Das pessoas que descobriram o amor.

FELIZ PRIMAVERA!

 *imagem da web.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

No caminho das flores (mensagem)

Elisabeth Amorim*


Há quem goste de trilhar pelos caminhos das pedras, é uma opção. Gosto alheio não se deve questionar, a não ser que ele  interfira na rotina de outros. Outras pessoas buscam a suavidade das flores, sentir o perfume, e tirar delas as mais belas poesias. Flores são incrivelmente poéticas.
Flores tem vida. E a estação da Primavera é considerada a mais bonita, justamente por causa das flores. Elas encantam a todos, sejam brancas, amarelas, azuis, rosas... Flores vivem a nos surpreender. Convidando-nos a olhar para os campos, jardins onde elas brilham, dançam, cantam e brindam a brevidade da existência. Quanto tempo dura a vida de uma linda flor?
Não sei, talvez porque no caminho não tenha tantas flores. Será? Há muitas flores no caminho, mais do que você possa imaginar.  O problema não está nas flores, mas no nosso olhar e  caminhar. Somos traídos e atraídos pelas pedras.  E por mais duro que possa ser, lembramos mais dos tropeços do que das alegrias. Como somos egoístas! Temos mil coisas para festejarmos, mas alimentamos o que nos angustia. Mude! Comece a enxergar e valorizar cada flor do caminho.  Rosa, cravo, margarida, lírio, girassol... cada qual com a sua beleza peculiar.

É muito gratificante olhar para trás e perceber as flores que deixamos para alguém e as recebidas também.  Quantas ainda deixaremos para os amantes da natureza literária? Porque o caminho da vida é permeado de opções, caminhar entre as flores ou entre as pedras. Jogar pedras em vidraças alheias ou  recolhê-las  deixando uma flor no lugar. Deveríamos optar pela segunda alternativa, é uma chance de nos tornarmos melhores do que já somos.  Decisão inteligente e prazerosa. Fazer o bem, desejar a paz, respeitar as diferenças são caminhos que  fazem brotar flores...
E a primavera nasce aqui, dentro de cada um, basta mais que um toque poético, uma atitude, uma vida poética... Mas uma vida de paz. Cada coração pulsa para alegria das flores ou das pedras. Cada pessoa poderá ser mais uma a escrever sobre a paz e deixar mais uma flor no caminho do outro, talvez, dentro das nossas limitações fronteiriças, é o mínimo que fazemos. Quem sabe um dia a humanidade  aprenderá a respeitar as diferenças?  Assim, teremos um mundo saudável e colorido para se viver. Se esse texto chegou até você, comemore, há pessoas que ainda hoje com toda a tecnologia avançada não tem esse mesmo direito.

Para que possamos cada vez mais fazer do nosso dia, nossa vida, nosso caminho o melhor e o mais saudável para o entorno.  Quem sabe numa das voltas da terra as flores deixadas aqui, neste cantinho, servirão para alegrar corações feridos pelas guerras civis? Pessoas que não fazem distinção entre as estações do ano. Como apreciar os lírios dos campos... minados?
Então amigo(a), se você está confortavelmente lendo este texto, reflita. A primavera chegou até você, aprecie hoje cada flor em seu caminho, porque o amanhã é um futuro que não te pertence. Mas esse momento é todo seu, faça-o melhor que ontem, e seja cada dia mais feliz.

 



  * Escritora baiana sem editora definida.

sábado, 19 de setembro de 2015

Monólogo de uma flor (poesia)



- Por que me arrancou do jardim?
Estava tão linda
Era vida para seus olhos
E na sua  doce lida
Nem olhou para mim.

- Insisto.  Você não notou a lua
Nem as flores do caminho
Posso ser mais uma
Que trilha sem carinho
Por conta dessa alma nua.

- Jogou fora porque murchei.
Perdi a beleza para você
Deixei de enfeitar a sua sala
A minha formosura se cala
E o meu aroma, onde deixei?

-Era a sua flor predileta
A rosa das paixões
Sustentava  suas fantasias
Enquanto tirava minha vida
Dia e noite, noite e dia
Para agradar outros corações.

- Nem o botão restou.
A rosa foi despetalada
Hoje você perdeu o seu amor.
Vejo-o tão sem vida...
Finalmente fui vingada!

-Eu era tão linda
Enfeitando o seu jardim
Alegrei-me quando notou
E veio correndo para mim.
Mas, arrancou-me com cuidado
Carinhoso, pensou.
Preservaria a minha formosura
E a sua vida daria sabor.

- Que insensível!
Sou apenas uma flor
Só brilho nos campos e jardins
Quando arranca do meu lugar
Comente um crime contra a natureza
Logo vou murchar...
Venha!  Assista a minha morte,
Ela é lenta e visível,
Depois pode comemorar.

                                           Elisabeth Amorim 

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Natal no Cachoeirão (crônica)


Aproximava o Natal e pairava aquele “cheirinho” de presente no ar. Não que as lojas estivessem enfeitadas, elas eram tão poucas naquele lugar tão distante que mais parecia que Papai Noel nunca chegaria ali. Mas, a escola tinha o dom de implantar sonhos nas cabecinhas das crianças, e um deles era “aguardar a chegada dos presentes de Natal”. Será que a escola não percebia que nem toda criança  era filha de papai Noel?
Voltei para casa com uma tristeza no peito, pois imaginava que seria mais um natal sem presentes. Sonhava tão pequeno, mas tão pequeno que Papai Noel  nem dava  importância para aqueles pequeninos desejos.  Pegava o meu caderno e um “toquinho” de lápis e disparava a escrever. E nos meus rabiscos, tinha de tudo: mesa farta, bonecas e muito, muito sorriso.
Chegam às férias escolares, depois a véspera de natal. Minhas colegas já amanheciam desfilando com suas bonecas novas em toda a vizinhança, enquanto eu ficava meio escondida, não queria vê-las para não despertar aquele sentimento de inveja, algo tão feio e nocivo à saúde. Só que não poderia me esconder por muito tempo, nem fugir da pergunta crucial: “Onde está o seu presente de natal?”
Criava o meu mundo de sonhos encantados, construía os meus castelos de areia para numa simples data se desmoronarem. Naquele ano fiz diferente, não sei exatamente a minha idade, mas prometi a mim mesma que não sofreria com o que não tinha, mas desfrutaria intensamente do que viesse a ter. E foi a melhor decisão tomada e levo para a vida toda.  Porque eu tinha o meu mundo. Eu tinha os meus sonhos de papel, e neles tudo poderia acontecer.  Eu fazia acontecer.
Diante da conversa séria com meu querido pai, entendendo o quanto era difícil manter o pão de cada dia para que nada não faltasse ao nosso lar, ele declara a sentença: “Amanhã será o Natal, como papai Noel esqueceu o nosso endereço mais uma vez,  eu mesmo darei o presente a todos vocês.” E para isso, eu e meus irmãos teríamos que dormir cedo. Não precisou falar duas vezes, todos correram para a cama...
Natal chega rápido, dia brilhante, e ao nascer do sol, somos acordados para passarmos o dia em contato direto com a natureza. Pois o melhor presente que Deus nos deu foi a vida,  e nada melhor do que lembrar da vida, no dia do Natal. Com nossas sacolinhas nas mãos, fomos todos passar o Natal no Cachoeirão.  Essa cachoeira é uma queda d'água que fica algumas horas de Licínio de Almeida, interior da Bahia.  O sonho da boneca foi completamente esquecido diante do espetáculo da vida, mas aquele Natal, tornou-se inesquecível, desfrutando da ceia natalina: “farofa com pão e biscoito” e muitos sorrisos valeram por mais de mil brinquedos. 
Retornamos praticamente ao anoitecer, cansados das brincadeiras, encontramos a pacata cidade descansando das agitações natalinas diurnas. Estava feliz com aquela experiência ímpar, sabia que as bonequinhas das minhas colegas logo perderiam os braços, pernas, mas a felicidade vivenciada naquele natal, ficaria viva para sempre em minha memória.  Depois daquele Natal, nunca mais me incomodei com a falta de atenção do bom velhinho. Porque o meu pai também entendeu, e sempre tinha um mimo para nós, tão valioso que nem o dinheiro comprava... 



E. Amorim

* a primeira imagem é a afetiva e virtual e a segunda é real, "Cachoeirão, Licínio de Almeida/BA)

sábado, 12 de setembro de 2015

Mulher ruiva ( poesia)


Mulher ruiva
Bonita e com pintinhas no rosto
Embala os meus sonhos
Vivo em busca da sua atenção
Mulher ruiva
Por favor,  dê- me sua mão.


Mulher ruiva
Com sorriso enigmático
Tu não és a Monalisa
 Confesso, tu és minha grande paixão
Mulher ruiva,
És teu meu coração.


Mulher ruiva
Pintada pelo grande artista
Deixaste tu mais linda
Encantando o meu coração.
Mulher ruiva,
Por favor, não me deixe na solidão.

                         E. Amorim



* imagem é arte de Lauro Winck,  disponível no blog do artista.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Memorial (homenagem)






Ninguém apaga a dor da perda
14 anos depois...
Restaram cinzas de um passado
Envolto numa nuvem de fumaça que ainda hoje,
Agride os nossos olhos
Arregalados,
Incrédulos,
Assustados,
Temerosos.
O mundo clama pela paz
“We are the world”
E queremos guardar no nosso memorial
As boas lembranças que o bem proporciona.

                                  Elisabeth Amorim



Ps: Aos norte-americanos que discretamente nos acompanham. Thank you and come again!

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Homenagem à Aylan*


-Mamãe, não deixe a canoa virar!
-Calma filhinho! Calma filhinho!
Se  virar, em anjo você transformará.
- E a senhora mamãe? E meu irmão? E os outros?
Silêncio.
A canoa virou.


                                                                 E. Amorim/set.2015

* criança síria que foi encontrada  morta numa praia, no último dia 02.


Ps: as imagens disponíveis no site  Yahoo.



Literatura de mainha 6 - Afirmação de identidades

 Mais um vídeo para você prestigiar.  Textos básicos; O sapo - Rubem Alves O sapo que não virou príncipe - Elisabeth Amorim