De repente, uma porta. Lembrei-me de uma professora da
infância que levava para sala um poema
(naquela época achava ridículo) sobre a porta. E era um tormento fazer aquela
leitura mecânica: “Sou feita de madeira/ Madeira matéria morta/ Não há coisa
neste mundo/ Mais viva do que uma porta”. Ficava com os meus botões... Será que
esse tal de Vinícius não tinha um assunto melhor para escrever? Que porta mais
sem graça!
A minha birra com “ A porta” era por conta da condução da
leitura. Imagine uma sala com 35, 40 alunos seguindo esse ritual: cada um lia o
poema em voz alta, enquanto a professora ficava lá à espreita, como uma porta
para impedir ou escancarar nossos
tropeços. Eu queria declamar ou recriar
aquele poema, mas isso não fazia parte
do roteiro. Então ficava contando as horas para chegar a minha vez e ficar
livre daquela porta: “...Eu abro devagarinho/ Pra passar o menininho/ Eu abro
bem com cuidado/ Pra passar o namorado... Eu abro de supetão/ Pra passar o
capitão.”
Hoje, tanto tempo depois, vejo-me diante de algumas portas.
Fico a imaginar como faço para
atravessá-las? Será que preciso agir como “um menininho” para que elas se abram
devagarinho ou assumo o lugar de “um namorado” para que as portas se abram com
cuidado?
Essa crônica surgiu como uma forma de agradecimento a todos
os queridos leitores que gentilmente me
procuram em diferentes espaços virtuais
e entram em meu mundo literário, atravessam a minha porta. Como escrevo por prazer, deixo- a aberta ou encostada para
qualquer pessoa que goste (ou não)
de literatura das margens possa livremente entrar, ler, criticar,
sugerir, interagir, desmontar... Às
vezes sou o que escrevo, vivenciando
cada verso, parágrafo, lágrimas, dor, alegria, prazer, felicidade ou
tristeza, mas nem sempre o que está
escrito sou eu ou minha biografia, afinal “O poeta é um fingidor...”
Reconheço as portas que erguemos. Por precaução ou segurança
não podemos escancará-las, mesmo porque a vida fora dessa virtualidade prossegue acelerada. No entanto, ao fecharmos
a porta pelo lado de dentro, não notamos
quem está no batente. Ficamos presos entre uma madeira e a chave. A literatura já foi vítima de tantas portas
fechadas por conta da canonização dos “bons” em detrimento da anulação de
outros que nunca saíram dos velhos baús. Até quando a prisão?
É isso poetas, escritores, leitores, aprendizes,
simpatizantes ou curiosos... obrigada
por levar-me até seus espaços
literários. Que essa porta permaneça
aberta para a interação e fortalecimento
da literatura em rede...
Finalmente, nos
versos finais de Vinícius de Moraes percebi o quanto as portas revelam: “Eu sou muito inteligente/ Fecho a frente da
casa/ Fecho a frente do quartel/ fecho tudo nesse mundo/ só vivo aberta lá no
céu”.
Antes do céu... Que tal olhar quem está batendo à porta? Se
for o bem, deixe-o entrar e divulgue-o!
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