domingo, 10 de dezembro de 2017

O espírito natalino ( crônica)

          
 Observando o luxo da ornamentação natalina de um shopping nos seus 30 anos de existência, a quantidade de ursos de pelúcia de todos os tamanhos, jeitos... mexem com a imaginação dos consumidores mirins que ali aparecem  com seus pais  em busca do presente de Natal.
          Sentei-me discretamente e passo a analisar as pessoas a minha volta. Cada uma com objetivos diferentes, algumas com muitas sacolas, outras a pesquisa de preços, mas de uma forma ou de outra, todas passam pela praça de alimentação,  sentam-se  e saboreiam  o sorvete gigante com as frituras do dia, apesar de se queixarem da dieta não surtir efeito.  Rio sozinha no meio daquela multidão faminta.
            Não demora muito chega quem eu esperava. Estava a procura de alguém diferente, e meu desejo foi realizado. Uma mulher, a primeira vista, totalmente inadequada, ela não tinha mais que 30 anos, roupas surradas, pele escura, acompanhada de duas crianças também desarrumadas, uma com aproximadamente 7 anos e a outra dando os primeiros passos, não tinha mais que um ano e meio.  Acompanho com o olhar cada passo daquela mulher de cabelos crespos despenteados. Percebo que andava lentamente, com uma mão segurando a barriga, como se sentisse alguma dor estomacal,  ou talvez tivesse passado por um processo cirúrgico recente. Circulava entre as mesas na praça da alimentação, como se estivesse também  a procura de alguém, várias vezes nossos olhares se cruzaram e desviamos rapidamente.


           No entanto, ergueu o queixo e andou firme até uma mesa vizinha. Fala algo tão baixo que tentei ouvi-la, sem sucesso. Os senhores ouvem atentamente, pegam um guardanapo e dividem a pizza com ela, agradecida passa para o outro lado da praça de alimentação.
          A  mulher solta a mão da criança menor, e em companhia da outra mais velha, senta-se tranquilamente, reparte a pizza doada e comem. Enquanto elas comiam, eu ficava a questionar: Por que ela deixou a menina pequenina solta no shopping?  A refeição termina, a mulher se levanta, espicha o pescoço para um lado e para o outro a procura da sua filha perdida, por alguns minutos ela desaparece, ao reaparecer no campo da minha visão já com a criança no  colo,  andando lentamente com suas duas crianças em direção a outra mesa, antes, porém, para diante de mim, olha-me profundamente por alguns segundos  e segue sem pronunciar uma palavra, mas o olhar ficou gravado. 
            E na festa dos 30 anos do shopping, ela estava lá, acorrentada à sua pobreza, porém comendo, bebendo das sobras adquiridas.  Meu Deus!  Nem todos que estão num shopping sentem a mesma fome. De repente, as luzes do lugar perderam o brilho diante daquele olhar, como se ela tivesse o dom de acordar o espírito natalino que habita em mim.


                                E. Amorim

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