Tranquilamente, eu e minha companheira sobrevoávamos a
mata. Eu estava triste e
preocupado, pois as árvores que fazíamos
o nosso ninho não estavam mais lá. Minha companheira não tinha o mesmo olhar,
aliás todos olham para o mesmo objeto de forma diferente: bichos e
homens não são iguais. E ela tinha uma vontade de
ser gente, via o desmatamento como algo necessário para o crescimento das
cidades e aumento de condomínios luxuosos. Eu,
um pássaro sem ninho, era só preocupação.
Meu nome é Tico e o dela, Doca.
Formávamos uma família feliz. Até o dia que Doca me pediu para tirarmos umas
férias. Eu não sabia muito bem o que era
isso, pois desde o amanhecer até o
anoitecer recolhia palhas e alimentos
para melhorar o nosso ninho e a nossa vidinha de pássaro. Mas Doca é uma
ave bem moderna, vez ou outra ela me aparecia com um laço vermelho na cabeça. - Ave linda com ou sem laço! Dizia isso para
ela, que respondia fazendo um biquinho delicado, jogando um
beijinho para mim.
Em comum acordo decidimos não
aumentar a família, pelo menos não queríamos filhotes ainda. Precisávamos de mais segurança, um ninho mais
alto e mais bonito. Se viessem filhotes os nossos planos seriam adiados. Continuamos voando baixinho em busca de abrigo... Eis que surge uma criança com algo
na mão. Pressenti o perigo, dei o sinal para fugirmos de imediato. Doca não obedeceu, ela queria cada vez mais
se aproximar das pessoas e viu naquela criança a sua chance. O meu desespero
aumentou com a ingenuidade de Doca, gritei:
_ NÃO, DOCA! NÃO POUSE NO CHÃO!
ELE TEM UMA ARMA, DOCA! NÃO!
Doca não me ouviu... além de
pousar tentou se aproximar do menino. Porém, recebe uma pedrada certeira no peito, saída daquele
estilingue que ele carregava na mão. Fiquei em desespero, vendo minha
companheira no chão, agonizando e eu sem condições de fazer nada. Vi tudo, a destruição da minha família. O menino se aproximou de Doca, vira de um
lado para outro e diz:
_ Oh, esse passarinho ninguém come... bala perdida!
Quando o menino desaparece, volto
para junto da minha Doca. Tantos sonhos
que adiamos e não tivemos tempo de realizá-los. Sonhei com a nossa mata verdinha e os nossos filhotes comemorando a vida. Queria que ela abrisse os olhos, logo percebi que o seu pequenino coração não batia mais. A bala
perdida arrancou não apenas as asas de Doca, impedindo-a de voar comigo, mas o meu dolorido lamento.
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