quinta-feira, 23 de abril de 2015

Oceanário de Lisboa ( conto )



Tudo parecia tranquilo, intervalo de aula, até aquele convite escancarado no meu e-mail:  “Venha conhecer-me em Lisboa!  Sou o melhor desmontador de literatura de todos os tempos.   Fernando  P.”  Inquietei-me  na hora.  Como o “Fernando Pessoa” me conheceu ?  Eu nunca conseguir conhecê-lo.  São tantas e tantas máscaras, capas para se chegar até ele.  Tanto tempo e ainda povoando minhas aulas e meus sonhos.
 Não, aquilo era uma loucura, Fernando Pessoa  não poderia ser, pois o  português Fernando Pessoa (1888 – 1935) foi o maior poeta de todos os tempos, ninguém até hoje conseguiu imitá-lo.  Fingi ser mais um spam, desses que invadem a nossa caixa de mensagem, sorri  da minha viagem  e continuei a navegar...
_ Que lugar maravilhoso! Como  vim parar aqui? Quem é você? Espere estou lhe reconhecendo... Onde estou?
_ Prazer,  sou  Fernando Pessoa! E você está no Oceanário de Lisboa.
_Então estou em Portugal. Mas... mas você é Fernando Pessoa  mesmo ou o Álvaro de Campos?
Fernando deu uma gargalhada.  Preferiu não responder, deixou-me com aquela pulga atrás da orelha. De repente,  encontro-me  percorrendo cada espaço daquele lindo lugar  com Fernando ao meu lado.   Não sei o porquê, mas achei que ele estava querendo me enganar.  Naquele momento não era ele quem falava, mas o Álvaro.  Principalmente quando perguntei sobre o que ele achava sobre uma carta de amor. Como jovem,  aquele assunto me interessava.  Com a resposta veio a confirmação:
_ “ Todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas”.
_Ahhhh...  Fernando você pensa que me engana? Essa fala não é sua, mas de Álvaro de Campos.
_Garoto esperto. Mas quem é Álvaro senão eu mesmo?  Ele é eu, mas eu não sou ele.
Tive que engoli em seco, pois entendia  o que ele estava dizendo. Ele era um desmontador literário nato.  Ele criou o Álvaro, mas ele não é o que ele criou.  Senti que era hora de tirar todas as minhas dúvidas, assim chegaria na sala com uma bagagem pesada e aproveitei:
_ Quem é realmente o  FERNANDO PESSOA?  A bandeira de Portugal?!
Com uma  gargalhada como se fosse a pergunta mais idiota do mundo, ele me responde:
_ Ora,  Fernando sou eu.
_Sim, mas quem é você?
_ Sou o que querem que eu seja. Gênio, intelectual para uns, esquizofrênico para outros...  Um grande poeta português.  Um sonhador, tradutor, jornalista, crítico, empresário, inventor, publicitário, astrólogo, editor  e...
_Chega!  Parece que você quer me humilhar com tantas profissões...  já sei, um criador de heterônimos!
Novamente Fernando Pessoa sorri  e complementa  tranquilamente:
_ Eu ia dizer “um  fingidor”!
Entro em choque, ele estava me desmontando também, fazendo-me um dos seus heterônimos.   De repente  fico cara a cara com o maior poeta do mundo e ele vem me dizer que é um grande fingidor. Um mentiroso?
_Fernando, você está me dizendo que a sua produção literária é uma farsa?
_De maneira nenhuma, não repita essa bobagem nem em sonho.  Digo que “ todo poeta é um fingidor”! Como o poeta  iria passar um sentimento para seu leitor sem fazê-lo   sentir o que  deseja que ele sinta? Todos nós escritores fingimos para convencer o leitor? Você  já escreveu alguma poesia? Ou você está apenas na prosa para agradar a sua mestra? Se já escreveu sabe do que estou falando.
Agora foi minha vez de sorrir. Como dizer ao grande poeta que aqueles meus rabiscos eram poesias?  Bem, como foi ele mesmo que disse sobre o fingimento dos  poetas... é só colocar em prática.
_Eu?! Que nada! Entrei aqui de gaiato.
Parece que não fui bem convincente.  Pois sorrimos juntos.  E  seguimos caminhado por toda a extensão do Oceanário.  Depois de algum tempo  ele pega  o relógio antigo que tira do bolso, olha as horas, enquanto fico com aquela vontade de exibir o meu smartphone com a biografia dele  salva  à minha disposição. De vez em quando na nossa prosa, dava uma conferida no meu aparelho  se era ele mesmo, Álvaro de Campos, Alberto Caeiro  ou  Ricardo Reis... que se pronunciava.  
Com um   pedido de desculpas , Fernando se despede:
_Tenho que apressar-me, caso contrário perco o encontro que marquei com Alberto Caeiro, lá na Torre de Belém. 


_ Certo, foi  um prazer  conhecê-lo na sua cidade, Fernando Pessoa.
_ O prazer foi meu. Só não estendo mais  o nosso passeio  porque o Alberto é todo metódico, certinho,  não tolera atrasos... ele é  tão perfeito  que eu luto para imitá-lo e não consigo, pois  ele é inigualável.  Ah, dê lembranças a sua professora! Gostei do desmonte.
_Sei... Ei, espere um pouco! Alberto Caeiro não é você?  Fernando ! Fernando!
       Ele some de vista.  Aposto que estava sorrindo às minhas custas.
                                                                         
                                                    ***
De repente,  meu aluno Fernando Sales Poeta  toca em meu ombro e diz sorridente:
_E aí pró,  a senhora leu  o meu  texto sobre Fernando Pessoa  que enviei por e-mail? Não me dê bronca,  esqueci e abreviei  o meu  último nome... Será que agora aprendi fazer o desmonte?
                                                        
                                    
                                       Elisabeth Amorim


 imagens da web ( pontos turísticos de Portugal)

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