sexta-feira, 9 de junho de 2017

TAMAR e o choro das tartarugas (conto)

 
O que temos hoje na aula prática que faz parte do Projeto Tamar?  – Pais e mães sem filhos. Filhos sem pais nem mães.  Irmãos que foram tirados do convívio familiar por conta da brutalidade humana, uma ação manifestada pelo prazer de caçar,  matar, prazer em destruir a natureza. E assim caminha a humanidade… em círculo, nadando contra a maré alta.  E quanto as minhas irmãs tartaruguinhas? Presas a uma rede sem fio, ou talvez com fios em excesso, enfeitando as paredes de um museu qualquer.
Ainda ouço o choro das tartarugas, debatendo-se num vã tentativa de escaparem. Quem escapa da fúria humana?  Talvez, as nossas lágrimas se misturam, tem hora que nem sei realmente se quem chora sou eu com a minha sede de viver ou o bichinho órfão que mora em mim, talvez, choro  pelas  lágrimas  desumanas.  A dor tem essa capacidade, sabia? Tornar-me insensível ou sensível ao extremo, comigo a segunda opção se faz presente neste momento. E a pergunta não se cala: onde errei?

Escritora revisitando o projeto TAMAR

Praia do Forte/ Mata de São João , Bahia, Br

Poderia ser uma tarde como qualquer outra. A praia, o mar, o sol eram nossos. Íamos desfrutar à vontade se não fossem aquelas redes… Homens espalharam redes no nosso ambiente natural. Cadê o respeito ao meio ambiente? Vocês não imaginam a quantidade de tartaruguinhas  presas… contorcendo, esperneando, gritando, chorando… até que o soluço ficou fraquinho, doído, sumido. Ouvido apenas pelo Tamar.
Para que serve o casco de um fiapo de vida como a minha? Escapei por pouco, talvez por ser a menorzinha do grupo,  os fios da rede não conseguiram me prender,  mas parece que os homens perceberam que  restam ainda algumas tartaruguinhas,  e pelo prazer da caça vivem a nossa procura. Que mal represento para alguém? Eles não  entendem que só estou cumprindo etapas, não vivo como antes, aliás deixei de ser livre há muito tempo. Eu sou de atravessar os mares, vivia a chocar-me contra os azulejos do tanque, achava tudo tão pequeno, mesquinho, até o dia que encontrei tantas companheiras enterradas na areia, eu tenho vida, e elas? Perderam tudo. Chorei bastante.
 
Decidi que enquanto viver não serei mais um adorno de alguma barraca na beira da praia. Não importa o lugar onde se vive, mas como se vive faz a diferença. O homem pode morar num palácio e se comportar como um ser irracional, e um sem teto poderá ter um comportamento  nobre.  São escolhas.  Eu escolhi viver bem, não importa o lugar nem o  entorno.
Pode me chamar de sonhadora, chorona, idealista, mas me contento em ser uma tartaruga marinha que não aceita a extinção da espécie e só em saber que existe quem pensa igual, já me sinto revigorada. Ouvia daqui e  dali que vinha um certo Tamar resolver a nossa situação. Quem era esse Tamar? Logo pensei numa tartaruga robusta e destemida, cruzadora dos mares. Só tinha uma certeza, se Tamar estava disposto a salvar a nossa espécie, já tinha uma fã. Não queria nem saber a sua cara, apaixonei-me pela obra que viria a ser feita por ele.
Tamar veio, pelo menos na nossa Praia do Forte, foi em 1982. Cara, e não é que o Tamar é um museu arrojado! Eu pensando em casamento e Tamar  na preservação e multiplicação da espécie. Que casal perfeito! Os tanques não são como os mares, mas tudo tem o seu preço. Até a liberdade custa caro, sabia? Nossa liberdade é vigiada. Mesmo com um monte de gente olhando, eu com a ajuda de Tamar já produzir bastante. Na verdade, Tamar ficou na dele, mas trouxe  outras tartarugas marinhas… e fizemos valer o “crescei e multiplicai”.
 
E se hoje o meu choro é de felicidade, graças ao Tamar. Toda vez que observo as fotos dos meus parentes mortos, fico triste. E penso  que apesar de tantas coisas ruins que empobrecem o meio ambiente, a Petrobrás abraçou o Tamar, casamento perfeito.  E foi desse abraço que escapei da rede. Porque muitos bichos continuam soltos à nossa procura. Só que esses predadores esqueceram que não merecemos  morrer na praia, pois somos ótimas nadadoras.  E olhe que  a nossa Praia é do Forte, não é mesmo, Tamar?
Elisabeth Amorim

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