domingo, 28 de janeiro de 2018

"Não quero dinheiro!" ( crônica)

Porto Seguro/BA

Pode parecer uma brincadeira ouvir uma frase como essa que intitula o texto, mas foi exatamente assim que ouvi recentemente em Porto Seguro: “- Por favor, me ouça... eu não quero dinheiro!”
Um homem  parado na Passarela do Álcool abordando os transeuntes com essa frase. Um dado curioso é que ninguém parava para ouvi-lo.  E eu seria mais uma na multidão que desviava daquele homem, mas parei , precisava de material para os meus textos.  E graças a essa parada que esse texto chega até você.  Ele olhou-me e disse:
“_ Nem se preocupe, moça. Eu não quero dinheiro!” Agradou-me a sua fala,  uma  cinquentinha ser chamada de “moça”, mas prosseguindo...  “ – Eu só quero que você vá até a padaria e compre dois pães para mim...”
Eu de imediato sorri,  intimamente pensei: “- Que golpe!”  Eu voltar para comprar pão para aquele desconhecido? Ele só poderia estar de gozação comigo. No entanto, perguntei quanto seria necessário para os  pães que ele precisava, e ele deu o valor, abri a bolsa e  peguei uma quantidade maior que ele falara, e veio a surpresa:
“_ Eu já disse que não quero dinheiro! Eu só estou precisando de pão!”
Foi a gota d’água!  Disse a ele que não era da cidade, não sabia onde encontrar a padaria, e se ele quisesse  comprar,  eu daria o dinheiro, mas eu não iria voltar.  Ele meio contrariado, pegou o dinheiro, resmungou a falta de tempo das pessoas e  eu seguir adiante, mas ele continuou no mesmo lugar com o mesmo discurso:
“- Eu não quero dinheiro... por favor, pare um pouco e ouça...”
Meu filho que estava me acompanhando disse o que eu havia pensando antes:
“_ Que golpe!” 
Elisabeth Amorim na galeria de arte- Porto Seguro/BA

Mas, aquele homem mesmo ficando parando feito estátua,  acompanhou-me até o hotel. Tomei um banho rápido, e decidir voltar para ver se o encontrava de novo, e dessa vez faria o que ele havia pedido, somente para analisar a reação.  Gosto de olho no olho.  Retorno em vão, ele não estava mais lá. Subi e desci  toda a Passarela do Álcool ( ponto alto de Porto Seguro) não o encontrei.
Que lição eu tiro dessa experiência? Se aquele homem foi enviado por Deus para me testar, perdi no teste.  Neguei-lhe o pão, alimento que ele precisava naquele momento.  Fiz a barganha, ofereci o dinheiro. E quantas vezes fazemos isso? Achamos que o nosso dinheiro substitui um gesto solidário?  Se foi golpe, deu certo, mas não me compete  julgá-lo.  E foi o que passei para o meu filho quando retornei e contei  a experiência que tive.

E a vida é assim, nem sempre teremos uma segunda chance. Se tivermos a chance de fazer o bem, façamos  já, não deixemos para amanhã. As circunstâncias mudam,  as coisas não estarão da mesma forma que antes.
“Não quero dinheiro!”  pode ser a frase mais boba  dessa sociedade  capitalista e egocêntrica, tudo que fazemos precisamos do dinheiro, mas quando descobrimos que a paz é melhor que a guerra, posso imitar aquele ilustre desconhecido, afinal, cada qual que defenda o seu pão de cada dia: Eu também não quero dinheiro!  Apenas ouça, por favor!  Eu quero que você compre um livro de minha autoria... Por que isso nunca funcionou comigo? É discriminação, sabia?

                                 Elisabeth Amorim



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